A INVENÇÃO DO "TUCANO". Re-publicado.
Este artigo foi publicado originariamente, na "Tribuna da Imprensa", do Rio de Janeiro, do corajoso Helio Fernandes e transcrito no "Monólogo a dois", de minha autoria. Pelo valor histórico faço constar com retificação: "P.U.C e não U.S.P".
Segue:
A INVENÇÃO DO "TUCANO"
Armando Sant’anna, cujo irmão Antônio Carlos foi um dos idealistas do
jornalismo , em
Ribeirão Preto, me convida para fazer um trabalho de Imagem
com o Governador André Franco Montoro. Programamos e toda sexta-feira de manhã
vou tomar o café matinal no Palácio, para discutirmos a forma mais adequada da
projeção de seu perfil pessoal e ideológico. O que começou como um de meus
desafios para estudar aquela personagem versátil, vai se desenrolando, também
como uma série de tertúlias culturais. O antigo líder do Partido
Democrata-Cristão de um período inteligente e culto da política paulista,
hiper-ativo, intelectualmente, voraz nas suas intenções de mudar o mundo e se
mudar. O professor da Faculdade de Direito da P.U.C. exibe sua inquietude e
preocupações multifacéticas. Numa das dinâmicas, vai pelo monólogo e o
interrogatório: “Goldberg, sou seu xará (Gold-berg-Monte de Ouro-Montouro),
descendente de judeus alsacianos, e quando penso no meu Partido, imagino, com
essa inquietação. Como poderemos distingui-lo, para a opinião pública,
visualmente, das outras agremiações partidárias? Respondo - Presidente (era o
nosso desiderato sua eleição para o próximo mandato), talvez pudéssemos fixar
um símbolo de animal ou ave, como fazem os partidos majoritários, nos E.U.A.,
emprestando um caráter lúdico à relação inconsciente, na psiquê coletiva. “Boa
idéia” responde. “Mas qual?” Num “flash”, me vem à lembrança minha última
viagem com meu pai e o Professor Olavo Di Piero até Águas de Lindóia. Passeando
pelo parque, fixo, extasiado os olhos num tucano, maravilhado com a combinação
estética. Respondo, de imediato: “Um tucano”. Montoro, em silêncio, reflete -
“Ave elegante”. Sexta-feira seguinte, no calor de outra discussão, disparo para
contestar sua argumentação - “O snr. não será presidente da República só se não
quiser”. Por fatores objetivos e subjetivos que não é oportuno discutir, agora,
esta é minha tese: Não foi porque não quís. Na comemoração de seu aniversário,
na intimidade de seu lar, encontro nossa amiga comum Glenys Silvestre e fico
matutando o belo gerente-pensador que ele seria para o Brasil. Figura fidalga
com quem privei, testemunhando o desvelo, a inteligência e um senso de
solidariedade social agudo. Quando minha mãe, a poeta Fanny Goldberg, que
dedicou seu livro “Meu caminho sem fim”, à minha cidade natal, Juiz de Fora,
morreu, lamentei-me com Montoro e contei-lhe um fato que narrei numa crônica
publicada no “Estadão”, sob o título “Encontro na eternidade”. Minha mãe tinha
combinado, por minha iniciativa e intervenção um encontro com o escritor Jorge
Luiz Borges, a mais alta literatura de nosso tempo, um encontro em Genebra ou
Buenos Aires. Num sábado melancólico, minha mãe ouvia o noticiário pela TV,
depois do almoço. O locutor informa - “Acaba de falecer, o escritor argentino
Jorge Luiz Borges”. Minha mãe estava pendurando roupa no varal, na área do
apartamento. Olha para meu pai, seu Luizinho, sorrí e cai morta de costas,
ainda e sempre com o sorriso nos lábios. Montoro ouve isto e muito mais, minhas
lamúrias e lágrimas por aquela perda, a saga da imigrante judía pobre que
dedicou seus últimos anos de vida para ensinar pintura e artes plásticas às
crianças da APAE, e com uma lupa (estava quase cega) a escrever poemas, que o
preconceito e a burrice teimam em não verificar como uma autêntica Cora
Coralina judía. Montoro responde com pigarro e tosse nervosa. Dois dias depois
seu secretário me telefona: “o Governador pede para avisá-lo do decreto que
acaba de assinar dando o nome de Fanny Goldberg, à Escola Estadual de Primeiro
Grau, no bairro de Francisco Morato.” A cerimônia do batismo se dá, por
coincidência no mesmo dia, em que recebo a notícia de que uma Escola israelita
retirava o nome de Fanny da sua biblioteca, por intriga de desafetos. Hoje
quando lembro destes e outros episódios, imagino que no céu dos poetas e
sonhadores, Montoro, Borges, Fanny e seu Luizinho, passeiam apreciando tucanos.
Porque senão, meu Deus, quantos desenganos. Mas ínvios, estranhos e fascinantes
caminhos de vida esta paisagem me intriga. Como seria esta pátria se Montoro
tivesse sido Presidente? Quando voltei de Paris, após a Copa, Boris Casoy
entrevistou-me e perguntou o que nossa torcida sentiu com a derrota. Respondí
que éra impossível ganhar o jogo com aqueles franceses cantando a “Marselhesa”.
Napoleão disse que com a Marselhesa e 5.000 soldados vencería 50.000 inimigos.
Complementei que nossa “Marselhesa” éra o hino da Independência. O entrevistado
seguinte éra o atual Ministro José Gregori. A quem fui apresentado por Montoro.
Aliás na ficha 130-7764 do D.O.P.S. (como constatei quando foram abertos os
arquivos) se documenta que fomos flagrados em assémbléia da S.B.P.C.; ele
falando sobre a “Lei dos Estrangeiros ”, eu sobre “Juventude brasileira”.
Declamei para Boris e o telespectador - “Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo
Brasil”. Boris se emocionou, creio que Gregori, com quem tive um debate na Bnai
Brith, junto com Mario Simas, também. Hoje, se tivesse que inventar, proporia
numa fórmula doce à Frei Beto, irmão-de-fé, o personagem de Edgar Alan Poe, no
poema imortal.
“Tribuna da Imprensa”