quarta-feira, 13 de abril de 2011

Goldberg fala sobre a imagem no discurso da sociedade - Tribuna de Minas



















Nossa vez de espiar

Estudiosos apontam o predomínio da imagem sobre o discurso na sociedade atual e a comparam com o popular ‘Big brother’

Raphaela Ramos
Repórter

Uma mãe passeia com seu filho no parque. De repente, alguém a aborda para dizer o quanto o bebê é bonito. Ela, sem hesitar, recomenda: “você precisa ver uma fotografia dele que eu tenho em casa”. A passagem, lembrada pelo doutor em psicologia Jacob Pinheiro Goldberg, é uma das muitas contadas por Woody Allen. Conhecido por retratar as neuroses do cotidiano, o cineasta norte-americano expõe, nessa narrativa irônica, uma característica do mundo contemporâneo - a supremacia das imagens. Câmeras pessoais e de segurança, espalhadas por todos os cantos, vigiam e registram a vida dos indivíduos, modificando os conceitos de real, factual e privado. Afinal, nos dias de hoje, o que é mais importante: a criança ou seu retrato? De acordo com Goldberg, a sociedade atravessa um momento de mudança, ainda incipiente, que irá alterar as formas de coabitação. Diariamente, além de receber um bombardeio de vídeos, pela TV e pela internet, as pessoas produzem e divulgam suas gravações.”Mas o comportamento ainda não foi transformado na raiz, porque o homem não se deu conta da amplitude e das características esse processo”, analisa o psicólogo, acrescentando que os seres estão despreparados para a nova realidade. “Ela exige a criação de códigos que ajustem a ideia de respeito ao próximo.” Na opinião do professor de filosofia da UFJF Juarez Gomes Sofiste, a tecnologia radicalizou a dualidade própria da coexistência. Enquanto, segundo o pensamento do francês Jean-Paul Sartre, os indivíduos estão expostos à invasão do outro, também precisam de um olhar de fora para ser reconhecidos. “Porém, na mídia, a alternância entre clamação e esquecimento se dá de maneira muito ágil.”
O professor do curso de comunicação da UFJF Cristiano Rodrigues, que já se interessou em estudar como o jornalismo utiliza os filmes enviados pelo público, vê na situação atual mais possibilidades de olhares. Se antes a voz do povo não era ouvida, hoje ela encontra algum caminho para ser ressoada. Segundo Goldberg, que se diz um otimista, toda oportunidade de debate é legítima, ainda que a participação do cidadão comum não aconteça de forma efetiva.
Assim também pondera o professor de filosofia da UFJF Luiz Antonio Peixoto, destacando a falsa impressão de espaço democrático observada nos meios de comunicação. “A exibição de um vídeo que mostra o torcedor vibrando em sua sala de estar não muda a questão sociopolítica. Trata-se de uma inclusão passiva em um processo que o espectador não controla.”


Basta ser convincente

Mas de onde viria o interesse de mostrar o rosto? De acordo com Peixoto, ambientes que já foram exclusivos do campo da privacidade se deslocaram para o público com o surgimento de internet, câmeras e celulares. “A casa das pessoas foi aberta por elas mesmas. Vemos o desejo doentio de aparecer publicamente, já que no cotidiano isso não acontece”, comenta. Cristiano aponta o narcisismo, próprio do ser humano, como motor da questão. Por isso, adverte que essencial é diferenciar o real do construído. Jacob Goldberg vai além. “Hoje, os seres estão propensos à performance, à representação.”
Para o psicólogo, além de relativizada, toda verdade passou a ser fabricada conforme as expectativas particulares. “Basta ser convincente.” Por outro lado, ninguém está imune ao fato de, sem saber, ter sua imagem multiplicada na rede. É o que assegura Peixoto, associando a afirmativa a um “Big brother” generalizado e questionando o conceito clássico de indivíduo. Na visão do acadêmico, inda que muitos casos expostos sirvam como mote para reflexões, os debates costumam apenas reproduzir o senso comum - assim como acontece no programa global. Juarez Sofiste menciona outro resultado do excesso de imagens. “Quando elas cessam, tem-se a ideia falsa de que, no mundo
real, o problema deixou de existir. Foi assim com o terremoto no Japão e as chuvas na Região Serrana do Rio.”

Recado na geladeira

A partir dos dois exemplos, Cristiano Rodrigues cita a alteração das noções de factual. De acordo com ele, os vídeos caseiros permitem que os fatos sejam narrados ao vivo, acompanhados da tensão
de quem o registra e de quem o vive. Além disso, como complementa Luiz Antonio Peixoto, novos ângulos de um acontecimento justificam a repetição do mesmo discurso na mídia, proporcionando
percepção linear e superficial da realidade. “Essas imagens estão atreladas à emoção e impedem a imaginação. Por outro lado, na linguagem discursiva, o público é obrigado a imaginar.”
No futuro, Cristiano acredita que os vídeos serão uma das formas de comunicação dos indivíduos, tão natural quanto escrever. “Em vez de deixar um bilhete para alguém, poderemos deixar um filme.” Jacob Goldberg afirma que já estamos com um dos pés nesse terreno, embora vislumbre um estágio de exaustão anterior ao de equilíbrio. “O homem possui a capacidade de resistir à deterioração”, sentencia. Afinal, talvez seja mesmo difícil amar apenas um retrato de criança.

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