Entrevista
com Jacob Goldberg
O que faz um
casamento feliz e duradouro hoje em dia? Estamos livres de antigos padrões?
Você já experimentou
se ajoelhar antes de dormir para fazer uma oração para a Deusa que está no
céu?
Para nós, reles
mortais criadas majoritariamente sob a ideologia cristã, soa estranho usar a
terminação feminina para evocar o Onipresente.
Mas o
consagrado psicanalista Dr. Jacob Pinheiro Goldberg acha natural que Adão tenha
sido gerado no útero de Eva, e não Eva da costela dele, como reza a Bíblia.
Em 1998, o
psicólogo causou polêmica na conferência “Eva Será Deus” apresentada em Londres
para intelectuais e cientistas de diversas nacionalidades.
Jacob é firme ao
dizer que os casamentos atuais ainda seguem modelos machistas e discute o uso
da palavra traição. Defende que a revolução feminista, que ainda não aconteceu,
é a única maneira de mudar essa realidade.
O que leva as
mulheres a se casarem hoje?
A ideia de um
companheiro ou pai ainda é, e provavelmente sempre será, a prioridade. O
segundo fator é o conceito romântico de amor. Outra constante é a tentativa de
fuga da promiscuidade, do risco de vários parceiros. E, infelizmente, a mulher
ainda tem jornada dupla de trabalho. Então, se ela encontra um parceiro capaz
de dividir as responsabilidades, tem a vida facilitada. Mesmo a mulher autônoma
ainda é submetida a uma pressão machista, violenta e cruel da sociedade. A
mulher solitária é vista com desdém, com rejeição e suspeita. Por muitas vezes,
ela procura o reconhecimento da sociedade através do casamento, que funciona
como uma apólice de seguro. Arrisco-me a dizer, num cálculo arbitrário, que entre
70% e 80% das mulheres se casam por uma dessas razões. Ou ainda por aflição ou
desespero.
Um homem de 50 anos, solteiro, é visto como bom partido...
Um homem de 50 anos, solteiro, é visto como bom partido...
Não como bom, mas
ótimo partido. Em geral, está numa situação econômica melhor, tem experiência.
E se o homem for feio pode ter charme. A mulher feia sofre preconceitos da
manipulação masculina. Esse discurso e essa mentira de que houve transformações
radicais nas relações são estatisticamente desprezíveis. A intelectualidade
brasileira tem uma atitude hipócrita, a mulher fica vaidosa: “Hoje eu estou
mais liberada”. Entra na jogada masculina e é explorada. Para casar, o homem é
mais difícil, cobra o preço da submissão, inclusive nos pequenos grupos
chamados da elite sociocultural.
Como essa submissão
se manifesta?
Eu vejo isso dentro
da minha casa. Tenho um filho do primeiro casamento que tem 40 anos. E um de
17, um de 16 e uma de 12. Eles circulam nos meios considerados socialmente
privilegiados, mas eu percebo que meus filhos vão com mais trânsito para as
baladas do que ela e as amigas. O discurso aparente delas é de liberdade. Mas
não é verdade, elas se sentem mais à vontade quando acompanhadas pelos meninos.
A própria paquera delas vem com uma carga de aflição. É como se precisasse
exibir o troféu do amor conquistado, enquanto os meninos têm uma atitude quase
de superioridade. Em vez de a mulher criar um modelo próprio, revolucionário,
algumas acabam acompanhando esses modelos masculinos, superados, grosseiros.
Tenho a impressão de
que se criaram modelos diferentes de casamentos, mesmo com pequena parte da
sociedade. É só uma impressão?
É só uma impressão.
Há poucos anos recebi um holandês que disse estar aborrecido porque a mulher
estava tendo um caso com um terceiro. Eu, brasileiramente, o interrompi: “Então
ela está cometendo adultério?”. Ele olhou para mim, perplexo: “Como assim? Ela
tem todo o direito de amar outro homem. Estou é triste porque gostaria de
ajudá-la”. Ouvindo aquilo tive a consciência de quanto isso é estranho para
nós. Como vamos falar em casamento aberto no Brasil? Só como piada. Só para o
homem. Ai da coitada da mulher que tiver coragem de revelar para o marido que
está apaixonada, tendo um caso. Agora, se for o contrário, o sujeito ainda é
capaz de exigir compreensão, “dá um tempo, é uma fase que eu estou passando”.
É possível amar mais
de uma pessoa ao mesmo tempo?
Absolutamente
possível.
O ser humano é
poligâmico essencialmente?
Acho que não existe
uma resposta genética, e sim cultural: nós somos contraditórios. As pessoas
exigem uma inteireza idealizada. Isso causa dor por causa da culpa. O conceito
de lealdade, de traição, é um conflito que pelo menos para a alma latina não
está resolvido. Todo mundo que conheço, todos os meus pacientes, principalmente
os homens, quer lealdade de seu parceiro. Mas se reserva o direito de pular a
cerca.
Há neles uma consciência de que o outro pode estar fazendo o mesmo?
Há neles uma consciência de que o outro pode estar fazendo o mesmo?
Na ordem dos fatores
é assim: “Eu preferiria que fosse leal, mas se tiver que ser corno, pelo amor
de Deus, que eu não saiba. Se, na pior das desgraças, eu ficar sabendo, que
pelo menos a minha mamãe não fique”.
Teria outra maneira de encarar a traição?
Teria outra maneira de encarar a traição?
Só existe traição
quando há a intencionalidade e a perversidade de impingir ao outro sofrimento.
Se você está no cinema de mãozinha dada com seu parceiro e roça o braço no
cidadão à sua esquerda só para que seu parceiro fique com ciúme, é traição.
Agora, se você ama seu parceiro e ele foi fazer um curso no Canadá, você saiu
uma noite, se excitou sexualmente, nem se lembrou dele, não teve a intenção de
trair. Pelo contrário.
Nesse caso seria uma
questão de respeito não contar?
Exatamente. É um
limite de censura que a sociedade e a nossa cultura impõem e você faz até por
delicadeza. Muitas vezes também eu percebo um drama: “Eu gostaria de ser
autêntico”. Autêntico ou impiedoso?
Fundamental é mesmo o amor ou é possível ser feliz sozinha?
Fundamental é mesmo o amor ou é possível ser feliz sozinha?
O destino do ser
humano é solitário. As relações humanas são importantes, mas circunstanciais.
Você de mãos dadas, beijando a boca, no meio de uma “transa”, fecha os olhos e
vem uma fantasia erótica com outra pessoa. Nós sempre pretendemos um diálogo,
mas estamos sempre num monólogo.
Hoje homens e
mulheres têm mais liberdade para sair sozinhos. Isso pode fazer o casamento
durar mais?
A mulher está dando
mais espaço para o homem, até para tentar manter o casamento. O homem, mesmo
sendo leal à mulher, se permite um trânsito social que ela não se permite.
Andar sozinho a partir de certa hora, por exemplo. Ir a um bar à noite e
sozinha. Se fizer isso, ela vai ser assediada grosseiramente. E você vai dizer:
“Não nos permitimos porque não queremos”. Não, vocês não foram educadas para
ter essa demanda. Mas não estamos condenados a viver permanentemente assim.
Felizmente hoje existe muito mais liberdade do que nas gerações anteriores.
Minha filha é uma mulher mais independente do que minha mãe foi. Mas não
podemos ficar num processo masturbatório de autocongratulação, “já
conseguimos”. Não, não conseguimos ainda.
O IBGE aponta que 72%
das separações judiciais são iniciativa da mulher. Somos nós que queremos casar
e nós que terminamos. Por que as decisões parecem mais fáceis para a mulher?
Como ela foi levada a
se casar por causa das circunstâncias, quando fica insuportável ela sai do
casamento. Para não ficar doente e não morrer. Tanto é que a incidência de
câncer no útero, na mama, é em proporções absurdas. Isso não é uma
coincidência. Por que a mulher é atingida nas suas zonas que representam a
feminilidade? É a dor e a tristeza que caracterizam essa condição.
O que faz uma relação
durar?
Quanto menos amor,
mais possibilidade de ser madura. Essa ideia do amor tem certa pieguice
neurótica, herança da dama e do cavalheiro da Idade Média. O homem e a mulher,
cada vez mais, precisam ser amigos e companheiros para enfrentar a realidade
agreste que é o sofrimento das contingências humanas. Não por pacto, por
compromisso, por instituição religiosa ou convicção social.
Esta história de
casamento em casas separadas é válido?
Morar na mesma casa é
intimidade — quando você faz livremente essa opção. Mas a maioria das pessoas
quer morar junto por razões de condomínio. Os muito ricos, em geral, têm duas
casas. Os muito pobres têm seus quartos, suas separações e ficam transitando.
Na minha casa, quando vem trabalhar uma pessoa como empregada doméstica, uma
das perguntas que a gente faz é: “Você tem namorado, noivo ou marido?”. E a
moça diz “não”. Isso na terça-feira. No sábado ela fala: “Hoje eu tenho que
sair mais cedo para encontrar meu noivo. Conheci um sujeito no supermercado e a
gente ficou noivo”. Ela tem menos exigências, menos demandas neuróticas, e por
isso é mais livre. Mais presa é a classe média, que tem a ambição de subir e o
pânico de descer. Ela se agarra no marido, na mulher, porque mal dá para ter
dois automóveis, imagina dois apartamentos...
É hipocrisia,
ingenuidade ou nada disso achar que dá para viver um longo casamento sem
traição?
É frequente que seja
por covardia. Medo de ser pego e das consequências que possam advir. Nessa
hipótese entra uma dose de hipocrisia. Às vezes há ingenuidade diante da vida,
uma dificuldade de ter manha de fazer sem ser pego. E às vezes é uma
respeitável decisão. A pessoa gosta da outra e se basta. Outra mentira é a ideia
da necessidade de ter casos.
As pessoas querem
amar ou se apaixonar?
Colocando em termos
prioritários: primeiro, querem ser amadas; depois, querem se apaixonar;
terceiro, elas não querem se apaixonar porque têm medo de sofrerem. Estamos no
território das contradições. Em quarto lugar, querem amar. E durma-se com um barulho
desses.
Entrevistadora: Ariane Abdallah
Nenhum comentário:
Postar um comentário