segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Psicanálise e Literatura

Num debate realizado pela “Folha de São Paulo”, na série Diálogos Impertinentes, defendi a tese, politicamente incorreta de que só através da alienação, o individuo se desaliena das amarras aparentes do Real. Penso e falo em cut-up, melitzá. Á quem interessa a linearidade, pergunta Bergman.

É no terreno etéreo e inespacial da subjetividade que a psicanálise e a literatura se entrecruzam numa relação incestuosa e adúltera, eis que rompem regras e fingem rituais.

O mais importante psicanalista de todos os tempos, o que encarou no sentido de enxergar e de encarecer a conduta humana foi Marcel Proust entre os passados possíveis e impossíveis, portanto imperdíveis.

O mais importante romancista de todos os tempos é Zygmunt Freud que criou uma narrativa universal, em cima de uma fábula grega que se dasabrocha e fenece na vida de cada um.

O paciente que se dispõe a desenrolar sua narrativa, conto, romance, poesia é o co-protagonista e co-autor, junto com o psicanalista de um raconto que lembrou Jorge Luiz Borges precisa ser traduzido como “Mil noites e mais uma” e não “As mil e uma noites.”

Scherazade descobre como não se morre (e o paciente como não se adoenta ou como se cura). O sultão não quer um mero “affaire”, os corpos que se unem por uma noite e no orgasmo (a pequena morte da medicina clássica) que finda.

O sultão está em busca de continuação, do final, enfim, do SENTIDO das vidas que se entrelaçam, projeção de sua própria vida, correndo da necrofobía, atrás da eternidade.

O efêmero é a síndrome do pânico que desencadeia sua necrofilia, a vontade de matar e no objeto cadavérico o atestado de sua desimportancia.

Ágape e Eros, demandam uma voz que conta e encanta, o encantador de serpente e um ouvido que ouve e interpreta, o olho que enxerga precisa se distrair ou ler na biblioteca universal, ainda na metáfora borgeana.

Cedo, muito cedo, no curso primário, em Juiz de Fora, aonde nasci, no colégio metodista, Instituto Granbery, vivi a contradição cultural e religiosa de filho deimigrantes judeus poloneses e aluno de assembléia teológica de exaltação a Jesus. Condimentado na vitima de “bullyng”, pelas orelhas de abano e o apelido conseqüente, “Dumbo”. Ou o judeu que crucificou Cristo. Eu, hein?

Não bastava.O pré-nome Pinheiro, dado em homenagem a meu tio Pinkas criava suspeita entre os judeus, Será um “misto”? Embora neto materno do Rabino Aron Elwing, ficava a dúvida paranóica.

E as aflições e esperanças, depressão e euforia daqueles anos em que o Brasil vivia a ERA DA INOCENCIA e que hoje desemboca na ERA DO CINISMO.

Escrevi num dos meus primeiros livros – quem nasceu no meio daquelas montanhas, sem o horizonte do mar, e nestas circunstancias tem a alternativas da poesia ou da demência.

Dom Quixote é o vestibular da modernidade desconstrutiva, na literatura em que Cervantes antecipa a “weltschmerz”, agonia em que Freud desenha o painel do “humano, demasiadamente, humano”, de Goethe.

E se faz a citação que lembra o verso surreal em Dante- “chove na mais alta fantasia”. É no Talmud, este repositório de uma sabedoria não linear que se funda esta arte-ciencia que colore o século XX e há de responder ao século XXI, e não a Economia, Sociologia ou qualquer das chamadas artimanhas que o demônio mentiroso do concreto propõe: “um sonho não interpretado é como uma carta não aberta”.

Quando li, vez primeira, em Luiz de Camões – “Alma minha gentil que te partiste, tão cedo desta vida descontente, repousa lá no céu eternamente, e viva eu cá na terra sempre triste”, fiquei atento ao literal, o desespero do vate que perdera sua musa inspiradora. Surpreso ao ler uma versão para o inglês do inicio do verso – “ My gentle spirit”, no viés entendi que se tratava do rasgo neurótico. Com a morte da mulher querida, ele, Camões vive e morre. Um em dois, o “insighit” revelou que o Eu iria descansar e o eu minúsculo, seu corpo iria mergulhar na melancolia, na depressão.

Portanto, símile a “O Corvo” de Edgar Alan Poe, o passado, tecido agridoce de lembranças ficaria repetindo o “Nunca mais”, que agora, neste instante, neste momento, neste lugar, nesta estória que estamos elaborando juntos, eu “num causo”, juntando associações e lapsos, ausências e presenças, celebramos em comunhão. Comunhão esta que me reporta a meu pai que contava o “witz”,referido por Freud e que sempre tinha o sabor dum testamento.

Rindo, chorando, no estado que o espanhol define como o de “mala sangre”, ou na gargalhada provocada pela anedota banal, Machado de Assis, cessa, praticamente seu veio maior quando sua mulher, sua ouvinte morre e ele morre em seguida, mesmo porque esta é a suprema manifestação que o americano chama de “serendipty”, o estado em que o universo nos harmoniza com o fluxo enigmático do destino.

Nasrudim, o sábio tolo, do sufismo, recebe os sábios da aldeia que pedem que lhes revele a história da verdade. Nasrudim exige pagamento à população que acorre á praça para ouvi-lo. “Alguém conhece a verdade?”

A população responde em coro-Não! Nasrudim se afasta resmungando, se ninguém conhece a verdade é inútil discutir. Os lideres da aldeia reclamam e Nasrudim retorna e a população já combinou a resposta. “Alguém conhece a verdade? Sim! Responde o coro. Ora se conhecem a verdade vou me embora”. Pela terceira vez os chefes exigem sua presença e a população já preparou outra resposta. Alguém conhece a verdade? “A metade dos presentes responde que sim, a outra metade que não”. Clímax. “Nasrudim sorrindo desfecha – A metade que sabe conte para a metade que não sabe”.

O silencio do psicanalista, os percursos, a tragédia e comédia que se realiza no drama, encontra um ponto de inflexão na obra de Ítalo Svevo, “A consciência de Zeno”.

No prefácio o Doutor S. escreve – “Seja dito, porém que estou pronto a dividir com ele os direitos autorais desta publicação, desde que ele reinicie o tratamento. Parecia tão curioso de si mesmo: Se soubesse quantas surpresas poderiam resultar do comentário de todas as verdades e mentiras que ele aqui acumulou”...

O Premio Nobel de Literatura, japonês Kenzaburo Oe, escreveu um livro semi-auto-biográfico. “Jovens de um novo tempo, despertai”. Trate-se da comovedora história de um pai que tendo um filho deficiente, excepcional, inspira-se em versos do grande poeta William Blake – E tudo se inicia com esta passagem antologica – “Pai!

Pai! Aonde vais? Não andes tão depressa. Fala, pai, com teu filhinho,senão me perderei.”

Or else I shall be lost.

Esta a quintessência do que pretendi com esta exposição e que arremato, com um poema de minha autoria que foi traduzida para o polonês pelo professor Henrik Siewierski, das universidades de Cracovia e de Brasília um peregrino da cultura, publicado no livro “Magia Wygnania”. A incomunicabilidade que tenta se comunicar.

O Cavalo e Eu.

Extasiado, fiquei olhando os olhos do cavalo. Mas enxergava mais o êxtase que os seus olhos.

O cavalo, porém, me olhava e (parece) me enxergava.

E assim, ficamos tão perto nos olhando, e, no entretanto, as infinitas distâncias, sei que jamais o enxergaria.

E ele, o cavalo, quem sabe, pudesse, realmente, me enxergar, como eu mesmo, jamais me veria.

Os objetivos são comuns, da psicanálise e da literatura a compreensão do Outro, o resultado é o mesmo – o fracasso e no fracasso, o êxito – A ruptura do tabu – No Inicio era o Verbo - E no fim, na saga de “Afirma Pereira” de Tabucchí. A Palavra rompendo a representação de Zelig, O kafkeano personagem de Woody Allen.

No fecho , desfecho a intrigante pergunta que embuti no meu verso – “Por onde andará, oh Deus, minha sombra enlouquecida?”

Não é matéria de literatura, não é discurso psicanalítico.

Não a cegueira incurável do obvio sangrento mas a lucidez em Dostoievski.