quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Enterro Hebe Camargo - Jacob Pinheiro Goldberg e Maria Paula.


Diálogo entre o psicólogo e escritor Jacob Pinheiro Goldberg e a atriz, apresentadora e também escritora Maria Paula durante o enterro do corpo de Hebe Camargo no cemitério Gethsemani, em São Paulo.


Jacob Pinheiro Goldberg — Hoje, mais uma vez, nós estivemos juntos num momento histórico. E foi por uma disposição íntima que nós dois resolvemos estar ali no enterro da Hebe Camargo como testemunhas, porque no fundo eu não dou nenhuma importância para enterro. Acho que o enterro é um dos rituais da sociedade que em si não tem muito significado. Porém, quando vi você ali e percebi como você estava em comoção e compenetrada, percebi como você estava consciente da importância dessa performance histórica. De estar ali, enterrando alguém que foi um ícone da televisão brasileira, assumindo um juramento com você mesma. E diante daquela multidão que olhava para você, porque a multidão lhe cravava os olhos, um pacto solene de usar a mídia de maneira consciente para uma transformação radical da maneira de enxergar o desamparo, a miséria, a pobreza material, psíquica e espiritual do ser humano, dessa gente humilde que sai correndo atrás, seja de Ayrton Senna, Hebe Camargo, Tancredo Neves... Daqueles que são os heróis do seu panteão na subjetividade, no imaginário e no simbólico, e desviam o olhar para você, Maria Paula. Naquele momento, pareceu que você estava colocando um manto sobre os próprios ombros. É como se fosse um cerimonial a devir.
Maria Paula — Estou espantada com sua forma de decodificar signos que estavam presentes ali na minha Gestalt, na minha mente e até na minha energia. Senti que naquele momento eu estava, de alguma forma transcendente, recebendo a transmissão da linhagem da verdadeira apresentadora, da mulher pública que usa a comunicação para ampliar o universo do outro. Da mulher alegre, que traz para a vida do povo a leveza e a beleza, da amorosidade. A Hebe emprestava importância ao público: a medida que ela se relacionava de forma tão acolhedora, mesmo com a pessoa mais humilde. A Hebe dava importância a qualquer pessoa que estivesse à sua frente e a pessoa passava a se achar importante a partir disso. Melhor, a pessoa tinha compreensão da sua própria importância através do olhar generoso da Hebe. No momento em que baixaram o caixão dessa mulher extraordinária, senti vontade de me espelhar nela e, de como ela, oferecer minha alma ao público.
JP: A palavra entusiasmo, etimologicamente, tem origem no grego e significa “um Deus que habita o indivíduo”. Eu acredito que nós somos o resultado dos nossos para o futuro. Hoje, no cemitério, vi uma Maria Paula pronta para ressuscitar o entusiasmo da Hebe na telinha, na telona, nos palcos e nas paginas desse nosso país.
MP: Nossa Jacob, eu apenas uso a minha imagem à medida em que as oportunidades se apresentam. Nunca planejei, de forma estratégica, os rumos que minha carreira iriam tomar. Minha carreira se construiu quase que de improviso.
JP: Muito inspirado você falar em improviso, porque o improviso faz parte da arquitetura filosófica do anarquismo, que estou convencido de que é a última trincheira da liberdade que resta ao ser humano em termos de resistência. O improviso está ligado ao ato criador que parte de nós mesmos, e o humor é uma das formas políticas que mais dá permissão para a alegria que joga com a desmistificação da hipocrisia dos valores do status quo. Durante muito tempo, você tem representado no humor brasileiro essa manifestação de liberdade que se soma ao esforço da emancipação feminina. Você, Leila Diniz e a grande Hebe Camargo.
MP: Fico até emocionada em ouvir essa sua reflexão, pois Leila Diniz e Hebe Camargo estão no topo da minha pirâmide de influências. Estejam elas onde estiverem.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Palestra na PUCSP


Conferência de Jacob Pinheiro Goldberg no Curso de Mestrado em Direito- credito de Filosofía Faculdade de Direito - PUCSP 30-05-2012

                     “ Direito e Psicologia”.

Quando eu conversei com a Dra.Karen Mendes e ela me convidou para vir conversar com vocês e fazer essa interlocução a primeira dúvida que me ocorreu foi qual seria a melhor fórmula para discutirmos algumas questões que pudessem motivar e ter um significado pra vocês e pra mim mesmo.

  Eu acredito que talvez o melhor contributo que eu possa oferecer seja o resultado das vivências que acabam forjando o romance de formação intelectual dos nossos processos de pensar e pensar no nosso sentido diante da vida.

  Alguns anos atrás eu fui convidado pela “Folha de S. Paulo” e por um dos projetos da PUC para participar de um debate num seminário denominado “Diálogos Impertinentes.” Sobre alienação. Que pode ser acessado pelo youtube. Era um debate com o professor Marcos Nobre...O mediador erá Mario Sergio Cortella.. eu percebi que nós acabaríamos – como terminou por acontecer – e frequentemente acontece nos encontros e desencontros humanos uma bipolarização, na qual eu acabei fazendo o vezo do advogado que foi uma das vertentes da minha formação, e eu fiz a defesa da alienação. E em si o processo e a realidade ali eram contraditórios, porque como fazer a defesa da alienação participando?

  Então, professora Maria Celeste Cordeiro dos Santos, eu fiquei muito em dúvida se o mais interessante em discutir hoje aqui com a senhora e os participantes de seu curso seriam algumas experiências de vida, as lições delas  extraídas e o significado delas na minha vida pessoal e na realidade do mundo hoje.

  Existe um verso de um poeta polonês Prêmio Nobel de Literatura Czeslaw Milosz que diz repetindo conceitos de Albert Camus “se a vida não tem um sentido, emprestemos um sentido á vida”. É um verso belíssimo, de um poema muito bonito que, por sinal, faz alusão até á Amazônia, um pássaro na Amazônia, é essa a imagética que ele cria:um pássaro num galho, não me lembro exatamente, mas é mais ou menos assim: um pássaro num galho, numa árvore, na Amazônia. Pelo menos foi a minha percepção sensorial do verso.

  Quando eu projeto essa imagem dessa poética, o que me vem ao mesmo tempo é solidão e majestade. Aquele pássaro lá, e enquanto eu falo com vocês, o meu pensamento e eu demorei muito para compreender e realizar e assumir que é um pensamento fragmentário.

  Tem uma frase do Ingmar Bergman que de alguma maneira sintetiza essa maneira de anxergar, de traduzir e de elaborar o meu pensamento. Ele diz: a narrativa linear, a quem interessa? E ele ponderá: o teatro tem uma lógica que a vida não tem. Esse pensamento fragmentário muitas e muitas vezes pra mim foi uma dificuldade extrema num mundo que faz pra compartimentar, organizar, agregar, coordenar, enfim, de certa maneira, submeter a poderes.

  Eu nasci em Juiz de Fora, em Minas Gerais, e fui estudar no colégio criado por missionários  protestantes  norte-americanos,o Instituto Grambery. E diariamente havia uma prática que era uma hora em que esses missionários chamavam de assembleia, que era evidentemente um processo de proselitismo religioso, mas era também um momento de reflexão filosófica, era um convite para que nós, alunos desde o primeiro ano primário nos pensássemos.

  Claro que existia uma perspectiva e uma ótica, no caso, que era uma perspectiva e uma ótica cristã sob a leitura do protestantismo.Isto pra mim significou uma das grandes oportunidades, uma das extraordinárias oportunidades que o destino colocou na minha frente, Na minha casa, um lar de imigrantes judeus poloneses que não eram pobres, eram miseráveis.

  Meu pai chegou ao Brasil com 18 anos e a primeira pousada dele foi o banco de jardim. Juiz de Fora tinha um jardim, uma praça e as dez primeiras noites ele dormiu nesse jardim, a nível de mendicância. E até hoje eu tenho esse impacto quando eu ouço a informação de que os judeus são proprietários da riqueza do universo e eu pergunto: e o meu quinhão, onde é que está?

  Porque a verdade é que não só eu não tive acesso a esse quinhão, como também não me identifico com aqueles que eventualmente tenham esse acesso. Muito pelo contrário. Minha identificação é muito mais com aquele imigrante analfabeto-eu é que ensinei meu pai a assinar o nome dele quando ele tinha 35 anos, peguei a mão dele, e disse é assim que se faz, numa caligrafia que era ao mesmo tempo de reverência mas também de humildade, e por que não dizer, num mundo que excluiu determinados vocábulos e excluídos vocábulos excluiu os conceitos, também por piedade, daquele herói que não sabia escrever o nome.

  O ponto e o contraponto. Nesse lar, de formação confusa, de uma tradição milenar que misturava superstições primitivas, conceitos culturais interessantes, mas principalmente experiências dramáticas de vida... eles eram imigrantes de uma das regiões... eles vieram antes da Segunda Guerra... uma das regiões onde existia o catolicismos radical com tinturas profundas  de antissemitismo que era a Polônia.

  E nesses saltos verticais e horizontais que a memória produz muitos anos se passam e hoje eu estou aqui, nesse café, e a última vez que eu estive nesse café foi a convite do professor Henrique Siviersky, titular de Literatura Comparada da Universidade de Brasília  e da Universidade de Cracóvia, na Polônia. Um dos grandes lideres católicos poloneses, um dos mais extraordinários pensadores poloneses, que acaba de traduzir a obra completa de Bruno Schultz pela Cosac Naify. Ele veio fazer parte de uma banca examinadora na PUC e nós tomamos o café da manhã aqui.

  Quando eu vim chegando pra cá, nós ficamos discutindo alguns minutos se eu me deveria sentar á cabeceira da mesa ou no centro. Eu me lembrei de um provérbio ladino que diz: “mudarás um ponto e mudarás o mundo”. Num instante fugaz a sua história, a sua biografia muda radicalmente. Através de um olhar, da sutileza de um pensamento, de uma transformação.

  Existe uma formação árabe que me impressiona profundamente e que diz que um homem quando se transforma ou seja, sofre uma conversão interna, ele muda o seu nome. O seu nome precisa carregar essa informação de um renascido e nós sabemos que essa é uma das ideias essenciais do budismo, que é o fato de que não somos o mesmo a cada instante da nossa vida.

  Tem uma passagem lindíssima: Buda está morrendo, os discípulos estão esperando aquela hora em que a vida vai expirar, e todos aguardam ansiosos para descobrir quem será o próximo Buda, vocês sabem que isso não é feito nem por uma hierarquia eclesiástica, mas é feito por um processo mágico: alguém é Buda. E ali todos sentados, centenas de discípulo. E Buda estende uma flor. E todos ficam extasiados, observando o que está acontecendo. Um dos mais jovens discípulos se levanta e também esta uma flor E Buda pergunta: quem é você? E ele responde: quem perguntou não está mais aqui. E Buda diz: e quem respondeu, já foi embora.

  É uma dimensão de tempo, de transformação que é um desafio extraordinário para a nossa visão ocidental de organização cartesiana, de uma maneira de tentar compreender o mundo ao mesmo tempo em que tenta aprisionar o mundo, um mundo que foge dos nossos dedos, mas que também se aproxima de nós.

  Voltando ao Henrique Siviersky. É poeta, pensador, que me refez polonês.

  Porque o mais difícil é isso, é se abrir pro desconhecido, pro distante, para aquele que você suspeita que eventualmente seja talvez não só um adversário, mas um inimigo. Porque boa parte é essa paranoia que nos persegue desde os primórdios os mais antanhos do nosso inconsciente, aquele que se recusa a nascer, aquele que acredita que a zona de conforto ideal não é a da Utopia, da terra prometida, mas a da origem.

  Falando em origem já me vem outro pensamento: Salman Rushdie. “Que a sua origem seja o seu berço, mas não o seu túmulo. “E mais uma, desses ensinamentos que a gente vai catando e que na realidade vão se colando nas nossas emoções e vagarosamente vão modelando e modelando a nossa personalidade e a maneira que a gente tem de nos realizar enquanto pessoa.

  A Dra. Karen Mendes disse: eu tenho muita curiosidade que você fale sobre seu livro “O Direito no Divã”. Durante muitos anos eu tive militância forense no Direito Criminal.

  Uma das passagens do livro é sobre uma palestra que fiz a convite da Associação dos Procuradores de São Paulo pela Dra. Ana Sofia Schmidt de Oliveira. Era sobre a “Psicologia dos sentenciados”. Foi um trabalho que fiz a partir de uma experiência que vivi com sentenciados numa penitenciaria de Campinas a convite da Comissão Justiça e Paz da cidade de Campinas. Eles nos convidaram para passar um dia inteiro dentro da penitenciária.

  Eu fui com um grupo de psicólogas que trabalhava comigo, eu coordenava o curso de Psicologia e História na USP, um curso que fundei a convite do professor Shozo Motoyama. E quando eu apareci na penitenciária com aquele grupo de jovens, de moças bonitas e disse pro diretor que a gente ia passar o dia todo, ele fico preocupadíssimo... é melhor colocar uns guardas, uns seguranças, ele estava apavorado com o que poderia acontecer.

  Não aconteceu nada daquilo que a fantasia dele projetou. O dia terminou com nós todos e os presos de mãos dadas cantando Geraldo Vandré, foi filmado pela TV Globo da região e não por acaso no dia seguinte eu fui convidado para discutir na “Globo” de lá a pena de morte.

  Voltando a “O Direito no Divã”. Como o passar dos anos, tendo deixado a prática do Direito e tendo me interessado pela subjetividade que representa o estudo da Psicologia e antes disso eu estudei aqui na PUC  fazendo o Curso de Serviço Social e antes de 1964 e eu vou sublinhar: antes de 1964...eu apresentei aqui na PUC como trabalho de conclusão de curso um “projeto de Serviço Social no Exército Brasileiro”, como T.C.C.

  Eu servi no NPOR em Juiz de Fora. Eu cheguei pro meu pai, que já era muito bem relacionado a essa altura em Juiz de Fora e falei pai, não dá pra você quebrar um galho e dar um jeito de eu não servir o exército? Meu pai conversou com um, com outro e me disse usando uma expressão tipicamente mineira... vocês veem, ás vezes quando lhe interessava, ele era judeu, outras vezes era mineiro... e ele falou: não, não, não, você vai servir o exército porque o capitão fulano de tal disse que o sujeito para virar homem tem que servir o exército.

  Falei: que saco! Hoje, se eu voltasse atrás, poderia perguntar: e a alternativa de virar mulher então não existe? Ter que um ano aguentar isso aí!

  Mas o fato é que servi o então NPOR Núcleo Preparatório de Oficiais da Reserva, que era hipomóvel, ou seja, ainda naquela época, embora fosse o 12º. Regimento de Infantaria, mas ele era movido a cavalo. Quer dizer: ainda por cima eu ia ter que me entender com os cavalos. Foi uma dificuldade muito grande que acabou posteriormente significando uma produção de um poema hoje traduzido para muitas línguas, o poema está no youtube, é uma leitura, o titulo é “O cavalo e eu”.

  Eu vim apresentar o “projeto sobre Serviço Social no Exército Brasileiro” na PUC sob supervisão do professor Cortez, que era do grupo do governador Franco Montoro, com quem depois eu fui trabalhar, tive experiência extraordinárias com esse grande líder democrata-cristão.

  Aquela política não tem, nada a ver com a política de hoje, Franco Montoro era o “Chevalier sans peur etans reproche”... um cavalheiro no sentido mais significativo da palavra, trabalhei com ele durante muito tempo, naquela época seu nome foi cogitado para disputar a presidência da República e ele me convidou para fazer o trabalho de imagética. Ficávamos conversando.  Criei o conceito “Tucano,” durante um café da manhã no palácio Montoro deu o nome de minha mãe, Fanny a Escola Francisco Morato... e voltando então ao projeto de Serviço Social do Exército... não, antes disso... a gente sempre dá uma versão simpática dos acontecimentos, eu ia dizer aí eu vim a São Paulo... não, eu não vim para São Paulo, eu me transferi para São Paulo porque em Juiz de Fora eu tinha sido membro da União da Juventude Comunista. E isso criou alguns problemas, porque, embora antes de 1964, o clima político do pais já havia se radicalizado, já havia uma nítida divisão ideológica e já era possível se perceber a caminhada que iria desembocar nos anos de chumbo da ditadura. E o oficial que comandava o grupo do qual eu fazia parte me considerava suspeito.

  Só muitos anos depois eu fiquei pensando porque, diabos, ele me achava suspeito, eu era um menino de 18 anos de idade, tinha sido membro da UJC, mas já não era mais. Eu acho que era porque eu estudava Direito. Ele era um oficial que tinha vindo da Academia de Oficiais da Agulhas Negras... posteriormente eu soube que foi um homem de extrema violência depois do golpe militar.

  O fato é que eu vim a São Paulo para servir no 4o. Regimento de Infantaria e terminar meu período de CPOR. Só que em São Paulo eu tive sorte, eu fui servir sob o comando do antão coronel Euryale de Jesus Zerbini que era um intelectual de esquerda, que foi preso durante o golpe e sua esposa, Terezinha de Jesus Zerbini acabou posteriormente indicando meu nome como candidato a senador pelo movimento feminino, e o movimento negro do PDT. Quando Brizola esteve em São Paulo para o enterro do Ayrton Senna nós estivemos juntos aqui no Maksoud Plaza com o Roberto D’ Ávila e o Brizola dizia: “Você precisa aceirar essa candidatura .” E eu disse “ Realmente, governador, essa é uma candidatura sem nenhuma possibilidade de acontecer”.Felizmente, eu arrepiei carreira e desistir, na convenção do partido.

  Mas o fato é eu vim pra cá pra defender esse “projeto de Serviço Social no Exército” que tinha elaborado como comandante da 1º Cia de Fuzileiros do 4º Regimento de Infantaria porque fiquei mais tempo no exército, a convite do General ,então Coronel Zerbini. O Zerbini fazia parte da banca. Eu peguei, fui e defendi a tese. Quando eu terminei a defesa – o Zerbini se virou e disse: Agora eu estou em dúvida entre te dar uma nota 10 pela exposição ou mandar te prender, mas eu vou te dar uma nota 10. Felizmente foi a nota que ele me deu. Mai tarde Terezinha Zerbini me indicou pelo Movimento Negro e Feminino do PDT a candidato ao Senador.

  Isto dito, de certa maneira pra informar que em algum momento eu acreditava que deveria colocar na horizontal a verticalidade do Direito. Eu deveria convidar o Direito para deitar no divã. Eu deveria aproveitar as experiências pessoais para de alguma maneira compreender a injustiça da Justiça. A demência do poder. A onipotência que o homem imagina que tenha a força que não tem, o medo da fragilidade que esta, sim, o transforma em imagem e semelhança de Deus e que é o único significado transcendental que dá importância ás nossas vidas.

  Há muitos anos – e eu relato isso no livro – eu tive oportunidade de ler um livro do grande escritor, o grande tradutor de uma época basta o titulo de um livro dele pra mostrar o magnífico da anamorfose que ele foi capaz de capturar da existência: Stefan Zweig. Ele veio a Petrópolis e morreu em Petrópolis. Me caiu na mão um livro dele. “O jogo de xadrez”. Eu li o livro e li como um advogado leria. Mas o que será que existe nas mensagens ocultas desse romance? Foi o último livro que ele escreveu. E eu pensei como pensaria Sherlock Holmes. E o investigador. E convoquei os poucos conhecimentos de psicologia que eu tenho para entender o que aquele homem estaria escrevendo exilado no Brasil durante a segunda Guerra Mundial? E ficou claro pra mim que ele escreveu aquele livro para que alguém mais tarde lendo este livro compreendesse o entorno do sociodrama, do psicodrama que estava sendo forjado em torno dele e o conduzindo para a morte.

  Os árabes têm um provérbio muito interessante que diz: o homem não é a mão que lança a flecha; ele é a flecha que foi lançada. Isso pode ás vezes lembrar o fatalismo versus o voluntarismo. Mas não é tão simples. Porque, de qualquer maneira, a mão é nossa. Existe sempre a possibilidade da opção e da ética. O fato é que em muito pouco tempo eu me debrucei sobre o caso de Stefan Zweig e cheguei á conclusão que a versão do suicídio tinha sido forjada pela policia política da ditadura Getulio Vargas e que inclusive alguns judeus do Rio de Janeiro tinham sido coniventes com essa operação, seja por covardia, seja por acomodação, por interesse, não cabe a mim julgar, eu tento só compreender. Isso significou para minha história pessoal um custo enorme em termos de incompreensão. Como é que esse sujeito levanta um hipótese dessa contra algo que já está consolidado na história da literatura?!. Eles se suicidaram. Ponto. Um jornalista, filho do judeu que enterrou Zweig num cemitério público, passa a vida me caluniando e a todos que contestam o “suicídio”.

  Nós sabemos que já existe, inclusive, uma concepção filosófica sobre o suicídio, o suicídio é um acontecimento social, quer dizer, de alguma forma, o individuo é suicidado. Mas, não bastasse isso, existiam todos os elementos absolutamente processuais que me levavam atrás dessa suspeita. Finalmente se estabeleceu uma polêmica em todos os jornais do país e internacionalmente a respeito. Aqueles que contestaram a suspeita o argumento mais pesado que levantavam era em forma de insultos e agravos pessoais, que eu fiz questão de não responder, porque aprendi com Jorge Luis Borges que o cavalheiro discute ideias, não discute pessoas, antão me nego a discutir em termos pessoais.

  Certo dia, a professora Bianchini, do Curso de Direito Penal da Universidade de São Paulo me convidou para expor na Faculdade de Direito a tese do assassinato de Zweig. Eu estive lá e expus. Era uma noite gelada, caía uma tempestade, e foram poucos alunos, uns 20 ou 30. Eu fiz a exposição e quando terminei pensei comigo mesmo: quanto esforço pra nada! O que adiantou eu levantar a questão, escrever trabalhos, proferir aulas e sempre volta a meia me percorre um pensamento negativo, derrotista, cético: foi inútil. Não convenci ninguém, é um assunto que não interassa pra ninguém se o sujeito se suicidou ou foi suicidado, e assim vai ficar, a mentira vai prevalecer e ponto.

  Há alguns meses, um amigo meu, de um país distante me manda um e-mail dizendo: Jacob, você soube da publicação de um livro aí no Brasil chamado “Lotte & Zweig”? Do Deonisio da Silva? Eu não tinha sabido nem conhecia Deonisio. Comprei o livro e fiquei perplexo, é um belíssimo romance, é um romance defendendo a tese de que eles foram assassinados, chego no último capítulo, e ele conta que tinha assistido a uma conferência na USP que tinha  acontecido anos antes e relata, inclusive, a chuva. Eu localizei o sujeito e falei: estou entre estarrecido e comovido. Eu, que pensei que isso tinha sido uma garrafa jogada ao mar que ninguém iria receber e você retoma isso com muito mais brilho que eu, inclusive se aventurando a fazer relações, ilações extraordinárias e isso vindo de um católico fervoroso, Deonisio que tem uma formação católica profundíssima, e esse homem foi capaz de captar todo o ethos e todo pathos que percorreram esse drama. E o interessante é que a orelha do livro, elogiosa, foi escrita pelo caluniador...(sic!).Ou seja o hipócrita ou não leu os originais ou e  maluco...as duas hipóteses...

  E talvez – essa é uma das grandes lições que eu gostaria de compartilhar com vocês – nós não somos os juízes da importância ou da insignificância dos atos da nossa vida. Frequentemente nos passam sinais os mais significativos, os mais importantes, os mais definidos e aqueles que vão definir a nossa realidade do mistério que um dia me levou a fazer uma consideração que está publicada num desses livros que joguei nos sebos do mundo... O único livro meu que teve vendagem foi esse, os outros eu tive que empurrar pra cima dos amigos e realmente são encontrados em sebo a quilo.

  Mas a formulação que eu fiz foi que a psicologia é filha da religião e neta da magia. E é dessa maneira que eu enxergo e hoje eu quero que vocês saibam que através de um filho meu, que resolveu também estudar Direito e que me disse: durante muitos anos você escreveu muita coisa como advogado, vi jornais antigos, anotações suas, tem material pra fazer vários livros, mas eu vou fazer uma coletânea, Flavio Goldberg e ele organizou esse livro “O Direito no Divã”.

  Esse livro permitiu que eu reencontrasse um amigo queridíssimo, ex – professor da PUC, Michel Temer, ele é quem assina o prefácio do livro e eu quero dar esse testemunho e quero deixar bem claro que esse testemunho não tem o menor caráter político – partidário, absolutamente nenhum, nenhum juízo político – partidário. Estou me referindo a um gentleman e a um poeta, não sei se vocês sabem que o Michel também comete poesia.

  Eu conheci o Michel Temer no Congresso Brasileiro de Direito Constitucional. Ele me convidou para fazer uma palestra sobre um artigo que eu tinha publicado no “Estado de S. Paulo” a respeito das relações psicológicas entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Ele telefonou pra mim, eu não o conhecia. E eu apareço no congresso, vaidoso, orgulhoso, vou falar para 500 constitucionalistas e eu digo pra ele professor, eu vim então pra fazer a palestra. E ele diz: mas, doutor Jacob, a palestra do senhor era ontem, Eu,completamente desequilibrado diante da vida, não sabia o que dizer falei não, pelo amor de Deus, o senhor me desculpe, eu me enganei, vocês sabem que nenhuma desculpa justifica. E esse homem me pega pelo braço com altaneria e,,,um escritor Brasileiro, que é um dos melhores e que é uma leitura quase diária, que é o José Simão, da “Folha”, ele está sempre brincando com o Michel Temer, chamando o Michel Temer de mordomo inglês.

  Eu gostaria de dizer pro Zé Simão que nisso ele se engana; na verdade, ele está longe disso. Na verdade, independente de posições político – partidárias, sempre vi no Michel essa figura do homem gentil, do homem cordial, do lord. Mais para Kipling.                      

  Ele me pega pelo braço e diz: não tem importância que você tenha se enganado, você fará a palestra hoje, eu vou pedir pro outro palestrante ceder um pouco do seu horário para você poder falar. Foi assim que começou a relação de amizade entre eu, e ele. O homem que concede, o homem que entende, o homem que perdoa, que abre espaço, que está disposto a ouvir.

  Uma vez, Salvador Dali desceu no aeroporto de Orly e vocês sabem que ele era um grande performer além de grande pintor, era homem de happening, do acontecimento, ele desceu com uma orelha de papelão de três metros e os repórteres perguntam atônitos o que é isso, o que é isso. “Aí está a resposta para os problemas do mundo” diz ele “ é preciso aprender a ouvir”.

  E quando eu digo isso pra vocês eu preciso compartilhar mais uma experiência desses encontros e desencontros e aquilo que de maneira filosófica eu procuro buscar pra justificar minha existência e entender o sentido da vida do Outro. Foi com Ayrton Senna.

  Eu estou subindo com ele no elevador onde tinha escritório, nós estávamos trabalhando há um ano e Ayrton tinha pedido quando veio ao meu consultório: eu quero fazer um trabalho com você, Goldberg, porque eu acho importante deixar para as crianças e pros meus filhos a história minha enquanto criança. E daí nasceu o projeto do Seninha. E o destino de alguma maneira cortou essa existência da maneira que vocês sabem, trágica.

  Então no elevador, um sujeito olhava pra ele surpreso e diz: desculpe, mas o senhor não é o Ayrton Senna? E ele diz de maneira humilde: eu sou, e o seu nome. Qual é? E o sujeito declina o nome dele e o sujeito já estava engatilhado pra fazer perguntas e o Ayrton inverte o jogo e pergunta: mas você trabalha nesse prédio? Bom, fomos do segundo andar ao andar do escritor do Ayrton, o Ayrton ouvindo a história do seu interlocutor. É isso o que eu tinha a dizer. Do pouco do mundo que tenho ouvido.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Recado aos Canalhas


                           Recado aos canalhas. (O Título é meu)





       “Tenho horror a hospitais, os frios corredores, as salas de espera, antessalas da morte, mais ainda a cemitérios onde as flores perdem o viço, não há flor bonita em campo-santo. Possuo, no entanto, um cemitério meu, pessoal, eu o construí e inaugurei há alguns anos quando a vida me amadureceu o sentimento. Nele enterro aqueles que matei, ou seja, aqueles que para mim deixaram de existir, morreram: os que um dia tiveram minha estima e a perderam.

Quando um tipo vai além de todas as medidas e de fato me ofende, já com ele não me aborreço, não fico enojado ou furioso, não brigo, não corto relações, não lhe nego o cumprimento. Enterro-o na vala comum de meu cemitério - nele não existem jazigos de família, túmulos individuais, os mortos jazem em cova rasa, na promiscuidade da salafrarice, do mau-caráter. Para mim o fulano morreu, foi enterrado, faça o que faça já não pode me magoar.

Raros enterros - ainda bem! - de um pérfido, de um perjuro, de um desleal, de alguém que faltou à amizade, traiu o amor, foi por demais interesseiro, falso, hipócrita, arrogante - a impostura e a presunção me ofendem fácil. No pequeno e feito cemitério, sem flores, sem lágrimas, sem um pingo de saudade, apodrecem uns tantos sujeitos, umas poucas mulheres, uns e outras varri da memória, retirei da vida...

 Sigo adiante, o tipo pensa que mais uma vez me enganou, mas sabe ele que está morto e enterrado”.

Jorge Amado, inNavegação de Cabotagem


quinta-feira, 2 de agosto de 2012

terça-feira, 31 de julho de 2012

Um namorado para Sabrina

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Revista Trip para mulher.


Entrevista com Jacob Goldberg

O que faz um casamento feliz e duradouro hoje em dia? Estamos livres de antigos padrões?

O psicanalista, e feminista, Jacob Pinheiro Goldberg dá seu parecer.

Você já experimentou se ajoelhar antes de dormir para fazer uma oração para a Deusa que está no céu? 

Para nós, reles mortais criadas majoritariamente sob a ideologia cristã, soa estranho usar a terminação feminina para evocar o Onipresente.

 Mas o consagrado psicanalista Dr. Jacob Pinheiro Goldberg acha natural que Adão tenha sido gerado no útero de Eva, e não Eva da costela dele, como reza a Bíblia.

 Em 1998, o psicólogo causou polêmica na conferência “Eva Será Deus” apresentada em Londres para intelectuais e cientistas de diversas nacionalidades.

Jacob é firme ao dizer que os casamentos atuais ainda seguem modelos machistas e discute o uso da palavra traição. Defende que a revolução feminista, que ainda não aconteceu, é a única maneira de mudar essa realidade.

O que leva as mulheres a se casarem hoje?

A ideia de um companheiro ou pai ainda é, e provavelmente sempre será, a prioridade. O segundo fator é o conceito romântico de amor. Outra constante é a tentativa de fuga da promiscuidade, do risco de vários parceiros. E, infelizmente, a mulher ainda tem jornada dupla de trabalho. Então, se ela encontra um parceiro capaz de dividir as responsabilidades, tem a vida facilitada. Mesmo a mulher autônoma ainda é submetida a uma pressão machista, violenta e cruel da sociedade. A mulher solitária é vista com desdém, com rejeição e suspeita. Por muitas vezes, ela procura o reconhecimento da sociedade através do casamento, que funciona como uma apólice de seguro. Arrisco-me a dizer, num cálculo arbitrário, que entre 70% e 80% das mulheres se casam por uma dessas razões. Ou ainda por aflição ou desespero.

Um homem de 50 anos, solteiro, é visto como bom partido...

Não como bom, mas ótimo partido. Em geral, está numa situação econômica melhor, tem experiência. E se o homem for feio pode ter charme. A mulher feia sofre preconceitos da manipulação masculina. Esse discurso e essa mentira de que houve transformações radicais nas relações são estatisticamente desprezíveis. A intelectualidade brasileira tem uma atitude hipócrita, a mulher fica vaidosa: “Hoje eu estou mais liberada”. Entra na jogada masculina e é explorada. Para casar, o homem é mais difícil, cobra o preço da submissão, inclusive nos pequenos grupos chamados da elite sociocultural.

Como essa submissão se manifesta?

Eu vejo isso dentro da minha casa. Tenho um filho do primeiro casamento que tem 40 anos. E um de 17, um de 16 e uma de 12. Eles circulam nos meios considerados socialmente privilegiados, mas eu percebo que meus filhos vão com mais trânsito para as baladas do que ela e as amigas. O discurso aparente delas é de liberdade. Mas não é verdade, elas se sentem mais à vontade quando acompanhadas pelos meninos. A própria paquera delas vem com uma carga de aflição. É como se precisasse exibir o troféu do amor conquistado, enquanto os meninos têm uma atitude quase de superioridade. Em vez de a mulher criar um modelo próprio, revolucionário, algumas acabam acompanhando esses modelos masculinos, superados, grosseiros.

Tenho a impressão de que se criaram modelos diferentes de casamentos, mesmo com pequena parte da sociedade. É só uma impressão?

É só uma impressão. Há poucos anos recebi um holandês que disse estar aborrecido porque a mulher estava tendo um caso com um terceiro. Eu, brasileiramente, o interrompi: “Então ela está cometendo adultério?”. Ele olhou para mim, perplexo: “Como assim? Ela tem todo o direito de amar outro homem. Estou é triste porque gostaria de ajudá-la”. Ouvindo aquilo tive a consciência de quanto isso é estranho para nós. Como vamos falar em casamento aberto no Brasil? Só como piada. Só para o homem. Ai da coitada da mulher que tiver coragem de revelar para o marido que está apaixonada, tendo um caso. Agora, se for o contrário, o sujeito ainda é capaz de exigir compreensão, “dá um tempo, é uma fase que eu estou passando”.

É possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo?

Absolutamente possível.

O ser humano é poligâmico essencialmente?



Acho que não existe uma resposta genética, e sim cultural: nós somos contraditórios. As pessoas exigem uma inteireza idealizada. Isso causa dor por causa da culpa. O conceito de lealdade, de traição, é um conflito que pelo menos para a alma latina não está resolvido. Todo mundo que conheço, todos os meus pacientes, principalmente os homens, quer lealdade de seu parceiro. Mas se reserva o direito de pular a cerca.

Há neles uma consciência de que o outro pode estar fazendo o mesmo?

Na ordem dos fatores é assim: “Eu preferiria que fosse leal, mas se tiver que ser corno, pelo amor de Deus, que eu não saiba. Se, na pior das desgraças, eu ficar sabendo, que pelo menos a minha mamãe não fique”.

Teria outra maneira de encarar a traição?

Só existe traição quando há a intencionalidade e a perversidade de impingir ao outro sofrimento. Se você está no cinema de mãozinha dada com seu parceiro e roça o braço no cidadão à sua esquerda só para que seu parceiro fique com ciúme, é traição. Agora, se você ama seu parceiro e ele foi fazer um curso no Canadá, você saiu uma noite, se excitou sexualmente, nem se lembrou dele, não teve a intenção de trair. Pelo contrário.

Nesse caso seria uma questão de respeito não contar?

Exatamente. É um limite de censura que a sociedade e a nossa cultura impõem e você faz até por delicadeza. Muitas vezes também eu percebo um drama: “Eu gostaria de ser autêntico”. Autêntico ou impiedoso?

Fundamental é mesmo o amor ou é possível ser feliz sozinha?

O destino do ser humano é solitário. As relações humanas são importantes, mas circunstanciais. Você de mãos dadas, beijando a boca, no meio de uma “transa”, fecha os olhos e vem uma fantasia erótica com outra pessoa. Nós sempre pretendemos um diálogo, mas estamos sempre num monólogo.

Hoje homens e mulheres têm mais liberdade para sair sozinhos. Isso pode fazer o casamento durar mais? 

A mulher está dando mais espaço para o homem, até para tentar manter o casamento. O homem, mesmo sendo leal à mulher, se permite um trânsito social que ela não se permite. Andar sozinho a partir de certa hora, por exemplo. Ir a um bar à noite e sozinha. Se fizer isso, ela vai ser assediada grosseiramente. E você vai dizer: “Não nos permitimos porque não queremos”. Não, vocês não foram educadas para ter essa demanda. Mas não estamos condenados a viver permanentemente assim. Felizmente hoje existe muito mais liberdade do que nas gerações anteriores. Minha filha é uma mulher mais independente do que minha mãe foi. Mas não podemos ficar num processo masturbatório de autocongratulação, “já conseguimos”. Não, não conseguimos ainda.

O IBGE aponta que 72% das separações judiciais são iniciativa da mulher. Somos nós que queremos casar e nós que terminamos. Por que as decisões parecem mais fáceis para a mulher?

Como ela foi levada a se casar por causa das circunstâncias, quando fica insuportável ela sai do casamento. Para não ficar doente e não morrer. Tanto é que a incidência de câncer no útero, na mama, é em proporções absurdas. Isso não é uma coincidência. Por que a mulher é atingida nas suas zonas que representam a feminilidade? É a dor e a tristeza que caracterizam essa condição. 

O que faz uma relação durar?

Quanto menos amor, mais possibilidade de ser madura. Essa ideia do amor tem certa pieguice neurótica, herança da dama e do cavalheiro da Idade Média. O homem e a mulher, cada vez mais, precisam ser amigos e companheiros para enfrentar a realidade agreste que é o sofrimento das contingências humanas. Não por pacto, por compromisso, por instituição religiosa ou convicção social.

Esta história de casamento em casas separadas é válido?

Morar na mesma casa é intimidade — quando você faz livremente essa opção. Mas a maioria das pessoas quer morar junto por razões de condomínio. Os muito ricos, em geral, têm duas casas. Os muito pobres têm seus quartos, suas separações e ficam transitando. Na minha casa, quando vem trabalhar uma pessoa como empregada doméstica, uma das perguntas que a gente faz é: “Você tem namorado, noivo ou marido?”. E a moça diz “não”. Isso na terça-feira. No sábado ela fala: “Hoje eu tenho que sair mais cedo para encontrar meu noivo. Conheci um sujeito no supermercado e a gente ficou noivo”. Ela tem menos exigências, menos demandas neuróticas, e por isso é mais livre. Mais presa é a classe média, que tem a ambição de subir e o pânico de descer. Ela se agarra no marido, na mulher, porque mal dá para ter dois automóveis, imagina dois apartamentos...

É hipocrisia, ingenuidade ou nada disso achar que dá para viver um longo casamento sem traição?

É frequente que seja por covardia. Medo de ser pego e das consequências que possam advir. Nessa hipótese entra uma dose de hipocrisia. Às vezes há ingenuidade diante da vida, uma dificuldade de ter manha de fazer sem ser pego. E às vezes é uma respeitável decisão. A pessoa gosta da outra e se basta. Outra mentira é a ideia da necessidade de ter casos.

As pessoas querem amar ou se apaixonar?

Colocando em termos prioritários: primeiro, querem ser amadas; depois, querem se apaixonar; terceiro, elas não querem se apaixonar porque têm medo de sofrerem. Estamos no território das contradições. Em quarto lugar, querem amar. E durma-se com um barulho desses.

Entrevista concedida para a Revista Trip para mulher.

Entrevistadora: Ariane Abdallah

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Sociedade anestesiada Revista "E" Sesc

                                       SOCIEDADE ANESTESIADA
                                                                                           Por Jacob Pinheiro Goldberg

Remediando a vida. Expressão quase folclórica que exprime uma concepção catastrófica do mundo. A utopia de um mundo sem dor, sem sofrimento, acompanha a civilização desde a consciência do que a dor e o sofrimento sempre provocaram no ser humano e de que culminam na doença e na morte. A tanatofobia com os horrores da fantasia da finitude, a solidão, a perda dos entes queridos, a ameaça insuportável da loucura povoaram a mente do indivíduo a partir do instinto de sobrevivência da espécie.



De alguma maneira se pode fazer a narrativa dos esforços da arte, da cultura, da ciência, como a luta contra o estresse, o desconforto da existência, o mal-estar da castração. Em contrapartida, a vontade de exuberância, da alegria, do estado de bem-estar no gozo do êxtase e da felicidade implicam um trabalho constante que, através da medicina, das ciências da saúde, da indústria farmacêutica, da psicologia, acabou por estabelecer um consenso de superação da dor, por recursos os mais variados.



Cicatrizar as frustrações inevitáveis que marcam os limites de nosso corpo e de nossa mente, anestesiar as reações aos estímulos que a natureza impõe, feiura, deficiência intelectual e corporal, acidentes malignos, genética deficitária – enfim o rol das dificuldades do concreto, do real, do objetivo se transformou numa corrida de obstáculos que permeabiliza nosso cotidiano.



Comprimidos para enganar a tristeza, sob o diagnóstico da depressão, para frear a vitalidade, sob o diagnóstico que substitui a exuberância pela hiperatividade. Se espraiando por todos os ângulos, medidas, enquadramentos possíveis e imagináveis. A obesidade, doença física ou psíquica a ser tratada e corrigida, e até problema ético de caráter (personalidade desidiosa ou fraca); a magreza, idem. A timidez ou contenção, como sintoma introspectivo suspeito, a extroversão como proximidade da transgressão, merecendo a atenção médica e, eventualmente, policial.



Sem respeito à faixa etária ou condição social. Na infância, a desatenção na escola, distúrbio ou transtorno, a adolescência com sua agitação e insegurança, ela mesma vista como “aborrecência”, um certo desajuste na probabilística certeira de moléstia contagiosa (o barulho, a efervescência, o “esquenta”).



A insônia estimulada por dificuldades autênticas, exigindo soníferos que, por sinal, segundo a revista científica BMJ Open [revista online de acesso público ligado ao British Medical Journal], triplicam o risco de morte e de o “paciente” desenvolver câncer. Aliás, já escrevi em O Direito no Divã (Saraiva, 2011) que a nomenclatura correta deveria ser “impaciente” e o profissional apurar a sua “paciência” na inversão humanística do relacionamento.



Aldous Huxley, em As Portas da Percepção [livro de 1954, edição em português da Globo lançada em 2002], faz a apologia às drogas, lícitas ou ilícitas (segundo conflitos de entendimento legal); ele, que estava praticamente cego e buscava compensações e sublimação no fantasmático e no simbólico, acabou legitimando essa vida artificial para escamotear as quimeras que a poesia de Rimbaud, ele mesmo uma vítima do alcoolismo, genialmente definiu em metáfora belíssima: “Mas, não, chorei demais! Magoam-me as auroras. Todo sol é dolente e amargo todo luar”.



As questões essenciais de nossa vida ligadas ao sofrimento e à dor não podem e não devem ser reduzidas ao tremendo jogo de fortunas incalculáveis da indústria da ilusão medicamentosa. Indústria que inventa doenças e inventa curas para aquilo que segundo Goethe é “humano, demasiadamente humano”. Sofrer e lidar, chorar e rir, a emoção respeitada e não fiscalizada pelo “Big Brother” do superego pronto para qualificar o normal e o anormal segundo fundamentalismos pseudocientíficos.



O que, obviamente, não significa deixar de minorar a dor no horizonte da dignidade. A alienação como instrumento de subjetividade permite que o Eu se encontre com a Dor, na esperança que nos transcende.


“As questões essenciais de nossa vida ligadas ao sofrimento e à dor não podem e não devem ser reduzidas ao tremendo jogo de fortunas incalculáveis da indústria da ilusão medicamentosa. Indústria que inventa doenças e inventa curas para aquilo que segundo Goethe é ‘humano, demasiadamente humano’”



Jacob Pinheiro Goldberg é doutor em psicologia, psicanalista e escritor. É autor de Cultura da Agressividade (Landy, 2004), Mocinhos e Bandidos – Controle do Conteúdo Televisivo e Outros Temas (Lazuli/Sesc, 2005), Psicologia em Curta-Metragem (Novo Conceito, 2008), entre outros.




Amor ou interesse

Amor ou interesse

04/07/2012

Amor ou interesse?
(10/04/2011)
Pais e filhos: Relação de amor ou interesse?

(Artigo publicado na "Revista Família Cristã" - Ano 77 - Edição 904)

No histórico do desenvolvimento da condição humana se pretende que o interesse (etimologicamente inter esse, do latim, estar entre) deve ser sublimado para o amor.

O interesse compreendido como uma intenção de vantagem que pode ser legitima ou ilegítima.

O amor, este sentimento o mais espiritualizado das emoções, capaz de superar o egoísmo, cultivando o altruísmo.

A natureza proporciona desde a concepção um jogo complexo e sofisticado que marca a interação entre pais e filhos.

Já no útero da mamãe e nas etapas do desenvolvimento o nascituro, a criança, o adolescente e o adulto precisam da mãe e do pai, inicialmente para o nascimento, depois a sobrevivência e, paulatina e simultaneamente, o treino para a civilização.

Do ângulo dos pais a necessidade de projetar nos filhos o mistério e o milagre do mandamento: “crescei e multiplicai-vos”.
O magnífico sentido de transcendência e vida que os filhos devem perpetuar, superando o conflito de gerações até os rituais de passagem para a continuidade gratificante das heranças recebidas, metabolizadas e transformadoras.

É através da educação e do carinho que esta pauta de mão dupla precisa transitar.

Dando e recebendo, desinteressadamente. A virtude da oferta que muitas vezes roça e beira o sacrifício e que são traços determinantes de altitude do ser humano e que exigem dos pais o esquecimento de si mesmo, na superação dos limites, medos, preconceitos e dos filhos, mormente, a gratidão.

Infelizmente, de algumas décadas, as ultimas do século XX e hoje, contemporaneamente, esta cultura de milênios e que se ancora nos instintos mais naturais da espécie e nas tradições religiosas e princípios éticos, vem sendo substituída por outros parâmetros, quais sejam:

1- A desqualificação da autoridade dos pais em nome de uma emancipação dos jovens, despreparados para o mister responsável da existência.

2- A inversão de papeis, provocando angustia e culpa em ambos elos da cadeia sentimental – pais e filhos se chocando e se distanciando, diante de crises que derrubam todo o qualquer freio de Superego.

3- O despreparo para enfrentar o consumismo desenfreado levando a filhos mercadejando o amor, em troca de recursos materiais. “Estudo se ganhar um automóvel”. “Meu pai me oferece férias no Guarujá e você na Praia Grande”. “Minha mãe deixa que eu vá à balada, beba, fume e você é careta”.
Se instaura uma espécie de leilão de trocas afetivas que vai contaminar o que de mais elevado e sagrado deve existir entre pais e filhos: o pacto da entrega, sem expectativa de paga.

É preciso notar o exemplo maligno que a mídia comercializada vulgariza neste campo: o uso de crianças e jovens como camelôs de afeto – concurso de beijos prolongados, o corpo feminino como vitrine de desejo, a competição da malícia e da esperteza no lugar da cultura e da inteligência.

O cúmulo destas trocas de vantagens são programas de TV em que se intercambiam pais, como se fossem dramas de aluguel, personagens de amor por temporada, e isto, em nome de uma didática de compreensão.
Educar e preparar os filhos implica em se autodisciplinar para o amor e a dedicação que não estão à venda, nem no varejo e nem no atacado.

É na dimensão do amor que pais e filhos podem mudar o significado da vida, emprestando sentido a jornada que é missão e não um “Shopping Center” de falta de caráter e oportunismo.

Jacob Pinheiro Goldberg é psicólogo (Universidade Católica de Santos), doutor em psicologia (Mackenzie), escritor, autor entre outros livros de “O Direito no divã” (Ed. Saraiva).

Politicamente correto

Politicamente correto

05/07/2012

Politicamente correto
(Jacob Pinheiro Goldberg)
A partir do início do século XX, fica evidente que a luta pelo poder nacional, sindical, religioso, mundial, toma características de uma violência sem precedentes, na história. Entender a ânsia do homem pela força e a potência, pode servir como elemento de desmistificação. Como é que se processam os mecanismos de ansiedade dentro do indivíduo e se projetam na sociedade, com o objetivo de dominar o outro? O sadismo - o exercício sobre o outro “eu”, de tal maneira que proporciona prazer, através do controle da mente, do físico e do intelectual, tornou-se uma constante emocional, nos jogos das interações humanas. Matar, torturar, manipular. Eis verbos fáceis que Hitler e Mussolini souberam tornar populares. Obviamente, isto só pode acontecer como fruto de fenômenos econômicos e políticos de tremenda envergadura, dentre os quais um dos mais consequentes foi a proliferação dos instrumentos de comunicação e cultura de massa.
Sem rádio, a TV, o jornal, a Internet, não se pode compreender o ditador moderno. Mas, de outro lado, estamos cogitando de uma realidade profunda do mundo subjetivo de cada um. Sem a cumplicidade e a omissão não se estabelece o poder ilimitado. Na citação de Max Weber: “Potência - macht - significa toda oportunidade de impor a sua própria vontade, no interior de uma relação social, até mesmo contra resistências, pouco importando em que repouse tal oportunidade”.
O crescimento monstruoso desta realidade penetra hoje em nossas vidas, das maneiras mais grosseiras e sutis. Desde o controle de nossa atividade acadêmica até de nossos mais recônditos pensamentos e desejos. O pesadelo antevisto por Georges Orwell em “1984” está se realizando.
Qual a alternativa viável para o prosseguimento desta ânsia de controle que acabará desencadeando a guerra nuclear, com a destruição da civilização? Os homens se acostumam depressa demais à obediência. Na Polis grega a vida pública é caracterizada pela discussão. O diálogo entre a criança e o adulto, a mulher e o homem, o branco e o negro, o sim e o não, constitui a última fronteira contra o Leviatã ameaçador, cuja vontade de reduzir o cidadão ao autômato e a cultura a uma noção de “defesa e proteção”, e não de “Liberdade e expansão”. O crescimento, demográfico e institucional, das forças de produção e dos módulos de controle da informação, obrigatoriamente, acarreta a diminuição do espaço para o trânsito individual?
Em “A Terceira Onda”, Alvin Toffler procura adivinhar a saída honrosa de uma alternativa humanista e comunitária. De uma ou outra maneira, esta preocupação se casa com a sobrevivência da dignidade da espécie. O nosso século viu a tortura ser incluída no Dicionário político e jurídico, de quase todas as nações.
O genocídio e o racismo são as garras vulgares da massificação e ânsia de força, que integram num só domínio o fabricante de armas e o desestabilizador social, o terrorista enlouquecido que mata John Lennon e o funcionário burocrático que manipula estatísticas para provar o que não pode ser provado: que a miséria é sadia, que a falta de condições mínimas de vida é uma imposição dos “tempos...”.
O poder não pode e não deve divorciar-se de sua única fonte de legitimação, que é expressa democrática e soberanamente, pelo povo, só podendo ser exercido em seu nome.
Quando foge deste batismo original, torna-se o braço da opressão, na mentalidade do horror. Numa escala provinciana ou em escala nacional, dentro da família ou nos grandes conglomerados urbanos, o poder, outrossim, precisa estar sempre exposto ao juízo da crítica e da autocrítica, bem como limitado pelas sanções da moral coletiva, sem o que, tende para a redundância totalitária. A saga da resistência teve um “clímax” no filme “Z” de Costa Gavras, na greve de fome de Sakharov ou no suplício anônimo das fétidas prisões deste planeta atormentado. O “anticlímax” se determina pela objeção de consciência que furta ao tirano a glória do ganho. Uma espécie de“proibido proibir”, em sermão libertário e fraterno.

Um Filme anticristão

Um filme anticristão

05/07/2012

Um filme anticristão
Artigo - JACOB PINHEIRO GOLDBERG
Folha de S. Paulo
O filme "A Paixão de Cristo" tem conteúdo anti-semita?
SIM
Acho desnecessário, pela obviedade, provar que o filme é anti-semita, digno de Mel Gibson, que se afirmou orgulhoso do pai, que negou o Holocausto. Mas é oportuno provar seu anticristianismo agressivo.
Trata-se da versão hollywoodiana da maior contrafacção política e ideológica da história, a inteligente e hábil manobra de atribuir aos judeus a culpa da condenação de Jesus à morte. Como essa fórmula primária, que qualquer criminalista seria capaz de desmistificar, tem resistido a estudos e análises?
Em primeiro lugar, explica-se pelo anti-semitismo disseminado pelos cultores da nova religião, interessada em bloquear as fronteiras com sua fonte originária. Em segundo lugar, a uma natural e apaixonada resistência judaica, indignada diante do apoderamento de seu filho, transformado, contra sua vontade, em instrumento de ódio e perseguição. Em abono desta tese poderíamos transcrever inúmeras passagens do Novo Testamento. Inútil. Ou o leitor percebe que, numa vida de 30 e poucos anos, Jesus dedicou todos os seus momentos conhecidos à tarefa do estudo da Torá e dos preceitos religiosos do judaísmo, como antes e depois fizeram milhares de rabinos e eruditos pregadores, ou escolhe a via tortuosa do sadomasoquismo anti-semita, que se prende ao drama arquitetado pelos dominadores romanos nas suas últimas horas.
Na verdade, na figura de Jesus, foi crucificado na época o espírito de insurreição religiosa e política de Israel, provavelmente com a cumplicidade de alguns elementos engajados com o conquistador. Nos dois milênios que se sucederam, os judeus têm sido castigados pela trágica herança de haverem concebido um filho mágico e dileto, de espírito universalmente aberto. Provavelmente, uma das grandes horas da história será o instante da reversão da dinâmica de Jesus. De seus versículos proferidos, de todas as passagens vividas por Jesus, Yeoshua bem Yossef, transpira sua apaixonada adesão ao judaísmo, seu entranhado amor ao seu povo e sua mensagem de libertação.
O processo de seu deslocamento começa no desenvolvimento produzido por Pilatos, a reconciliação e o reconhecimento de sua função como judeu, o apagar do tônus anti-semita, que procura retratá-lo como estranho ao seu povo, a final trama desmentida pelo senso comum de seu papel, como messias para os cristãos, como filho querido para os judeus. Quem instruiu, magistralmente, a necessidade dessa revisão foi o poeta libanês Khalil Gibran, no seu diálogo entre Jesus de Nazaré e Jesus dos cristãos, que, segundo ele, ainda não tinham conseguido se conciliar. Fonte histórica de Jesus, o judaísmo perdeu para o cristianismo institucionalizado seu poder político e social, que permitiu à nova religião dar o tônus da civilização ocidental.
No entanto, nas últimas décadas, e destacando-se o pensamento de figuras como João 23, Tomas Merton e Jacques Maritain, acentua-se um processo de judaização do pensamento cristão de algumas áreas mais esclarecidas. Do lado judaico, tal inclinação se adivinha na análise de Jesus feita por Joseph Klausner. No estudo "A Morte de Deus e o Futuro da Teologia", Gallagher afirma que devemos nos rejubilar "não por qualquer coisa que é, mas por aquele que virá". Dificilmente a noção judaica do messias poderia ter uma melhor categorização do que esta.
Na medida em que o cristianismo passa pelo mergulho introspectivo do abandono das imagens greco-romanas e penetra no "pathos" e no "ethos" de Jesus, o rabi judeu, a mansidão e o amor à vida se irão contrapor ao martírio da paranoia. Obviamente, a dialética de uma crise de consciência e revisão totalizante desse alcance não se fará suavemente, eis que vai abalar toda a teologia do sofrimento - interno e externo, expresso na mecânica da agressividade- das cruzadas, do ódio ao prazer, da tendência à abstinência, do conceito brutal de salvação de todo o gênero humano e, finalmente, da própria concepção da estrutura religiosa como instituição.
Talvez este será o mais formidável paradoxo da história: vencidos os bloqueios psicológicos, o anti-semitismo terá ensejado a mea culpa, que conduzirá a elite do pensamento filosófico cristão à aceitação do judaísmo. Porque nesse jogo, como na vida, quem perde ganha. Não se pode esquecer de que a cruz era um suplício romano, não um instrumento da justiça judaica. Jesus foi executado pelos romanos, na missão de dominação política, como agitador. A acusação ao judeu de ser o assassino de Cristo foi uma lenda divulgada pela propaganda romana, na Diáspora.
Depois dos Manuscritos do Mar Morto, estudar Jesus não é tarefa para a construção da desavença. Judeu, estudei no Instituto Grambery, Colégio Metodista, em Juiz de Fora, onde nasci. Lá começou a revelação, para mim, de que Jesus não morreu -ao contrário do que imagina Gibson. Ele vive com os cancerosos, os miseráveis, os abandonados, órfãos e viúvas. Mas também na alegria, na esperança, na fé. Sente-se a paixão de Jesus no silêncio, na introspecção do seu sacrifício. Na vitória da vida sobre a morte, do amor sobre a raiva. O filme de Gibson é a recrucificação de Jesus por US$ 200 milhões.
Jacob Pinheiro Goldberg, psicanalista, é doutor em psicologia pela Universidade Mackenzie e professor convidado pela Uniwersytet Jagiellonski (Cracóvia, Polônia).