quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Revista OAB – MG Nº 3 - Dezembro de 2007

A VIOLÊNCIA URBANA
NO CENTRO DO DEBATE

Entrevista exclusiva:
Leandro Piquet Carneiro
Jacob Pinheiro Goldberg
A cultura da convivência deve
substituir a cultura da agressividade


*Jorge Sanglard

A violência urbana está no centro do debate nacional e a Revista OAB-MG 4ª Subseção entrevistou, com exclusividade, Leandro Piquet Carneiro e Jacob Pinheiro Goldberg. Investir no que importa e não dispersar recursos em programas que não terão efeito sobre o crime é o que defende Leandro Piquet Carneiro, que ataca o Pronasci, por considerá-lo “um retrocesso e não simplesmente um programa, mas uma nova estrutura no Ministério da Justiça que irá concorrer por recursos públicos com a Secretaria Nacional de Segurança Pública, a Senasp”. Por seu lado, Jacob Pinheiro Goldberg vê como um avanço no processo de estratégia social contra a violência e o crime exatamente o fato de que “o Pronasci simultaneamente prevê ampliação de recursos para todas as áreas governamentais que cuidam do problema da segurança individual e social com uma visão que ultrapassa o conceito falido da mera repressão”.

O senhor defende maiores investimentos no sistema de justiça criminal, incluindo as polícias civil e militar, o Ministério Público, as varas de Justiça criminal e o sistema carcerário. O Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), anunciado pelo Ministério da Justiça e pelo governo Lula, prevê a ampliação de recursos para estas áreas. Qual a saída para a questão do investimento na área da segurança?

Leandro Piquet Carneiro – Investir no que importa e não dispersar recursos em programas que não terão efeito sobre o crime. O Pronasci é um retrocesso porque ele não é simplesmente um programa, mas uma nova estrutura no Ministério da Justiça que irá concorrer por recursos públicos com a Secretaria Nacional de Segurança Pública, a SENASP. Durante os últimos dez anos houve uma consolidação notável da doutrina e da organização da SENASP. Caminhávamos para algo difícil de ser conseguido no Brasil, a formação de uma política de Estado para a área de segurança pública. A SENASP contribuiu, dessa forma, para que as políticas de segurança adquirissem uma identidade própria, mas o Pronasci não partilha dessa visão e propõe dissolver as políticas de segurança em uma sopa de programas sociais. Isto é um erro de estratégia que irá penalizar milhares de jovens pobres que vivem nas periferias das grandes cidades brasileiras. Os recursos disponíveis para a segurança pública serão bem empregados se forem destinados a programas capazes de gerar resultados no curto prazo. Nos últimos sete anos houve uma redução de 50 % no número de homicídios no estado de São Paulo. Se as taxas de homicídio observadas em 1999 tivessem permanecido constantes, 19 mil pessoas teriam perdido a vida de forma violenta, principalmente jovens e pobres. Evitar que um crime violento seja cometido também é uma forma válida de promover a justiça social. A idéia de que teremos um país melhor no futuro se adotarmos mais políticas sociais e menos políticas que visam diretamente o controle do crime é desastrosa, nessa lógica empenha-se o presente de uma geração em nome de uma vaga idéia de futuro.

Jacob Pinheiro Goldberg – O que se registra como um avanço no processo de estratégia social contra a violência e o crime é, exatamente, o fato de que o Pronasci simultaneamente prevê ampliação de recursos para todas as áreas governamentais que cuidam do problema da segurança individual e social com uma visão que ultrapassa o conceito falido da mera repressão. A distribuição dos recursos, portanto, deverá se transformar num fator de estratégia de longo prazo e não uma política oportunista e demagógica de pirotecnia da sociedade do espetáculo, em que duas violências – a do crime e a da sociedade organizada – se digladiam.

Durante anos, a segurança era vista como um problema dos estados brasileiros e cada estado adotava uma política para o setor. A falta de um sistema integrado e eficiente da gestão da segurança pública é o principal equívoco no país?

Leandro Piquet Carneiro – É impossível discordar da afirmação feita, integração e eficiência são metas adequadas para qualquer sistema. É claro que uma política integrada e eficiente é melhor do que uma fragmentada e ineficiente. A questão é como integrar e como desenvolver medidas eficientes. Em um sistema federativo a implementação de políticas públicas depende, em larga medida, de iniciativas que serão realizadas por estados e municípios. O papel do governo Federal limita-se à produção de mecanismos de coordenação e indução. Caso não seja possível convencer as polícias e as secretarias de segurança nos estados e municípios de que as metas de uma determinada política são adequadas, muito pouco será feito. Não é possível imaginar que uma mesma política de segurança irá servir para conter a epidemia de homicídios em Olinda e as ações de traficantes de drogas no Espírito Santo. Embora a estratégia comum seja aumentar a probabilidade de punição para os criminosos, as táticas são locais e serão mais eficazes se forem desenhadas a partir da base do sistema de segurança, principalmente pelas polícias nos estados que são os principais agentes nessa questão. O governo federal, por exemplo, poderia contribuir muito se desenvolvesse instrumentos de avaliação e monitoramento das iniciativas de governos estaduais e locais.

Jacob Pinheiro Goldberg – Não se conhece uma estadualização do crime e, portanto, não se pode admitir políticas estaduais contra o crime. O crime não respeita fronteiras. O país vive uma situação em que a capilaridade ultrapassou a noção da megalópolis e da província. De inúmeras formas, a violência, micro e macro, se expande pelo país. Uma política nacional de segurança com cidadania já implica numa abordagem que traduz a leitura do fenômeno como uma realidade num país com dimensões continentais. Propósitos amplos inspiram confiança à população que se sente desamparada diante de a cultura do “Está tudo dominado”, mensagem subliminar que o crime, organizado e/ou desorganizado, tenta imprimir, de forma ameaçadora à população.

Como explicar o aumento indiscriminado da criminalidade em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Salvador e Belo Horizonte? O que tem sido feito de concreto para enfrentar essa realidade?

Leandro Piquet Carneiro – Não é correto afirmar que essas cidades passam por processos semelhantes. Como já disse, em São Paulo a taxa de homicídio decresce desde 1999 e acumulamos uma redução de 50% nos últimos sete anos. Esse resultado tem um enorme significado social e decorre da adoção de políticas públicas consistentes na área de segurança pública. Em Belo Horizonte houve um aumento de 170% na taxa de homicídio entre 1999 e 2004, enquanto que no Rio de Janeiro e no Recife as taxas de homicídio ficaram mais ou menos constante ao longo da década, na faixa entre 60 e 80 por 100 mil. Se nada for feito, essas duas cidades terminarão a década da mesma forma que começaram, com uma posição de destaque entre as cidades mais violentas do mundo. O que esses dados indicam é que o problema não é o mesmo em todas as grandes cidades brasileiras e que há diferenças que podem ser explicadas pelo tratamento dado ao problema.

Jacob Pinheiro Goldberg – O Brasil vive uma situação contraditória e paradoxal em que a minoria privilegiada, estabelece um contraste sado-masoquista, com a maioria espoliada, marginalizada, miserável, carente dos recursos mínimos de sobrevivência. A novela na TV e a coluna social mostram uma riqueza que ostenta formas faraônicas de vida, num autêntico deboche com índices de submundo econômico social e cultural. Na penitenciária, o preso decepa a cabeça de outro detento. No acidente em Congonhas, a mulher, tentando salvar a vida, se joga pela janela e morre. A TV exibe as cenas. E assim, se conjugam os elementos para disseminar paranóia e necrofilia. Portanto, são inúmeras as variáveis psicológicas que precisam ser revertidas para diminuir a onda de criminalidade, como o fim das utopias românticas e da apologia histérica do bandido, seja de colarinho branco ou travestido de revoltado. Os povos – pobres, ricos, classe-média – demandam um significado de exigir e não um jogo de consumo que carrega no bojo a prostituição da alma. O século XXI terá que ser o tempo do espírito ou será o tempo do terror. Portanto, o que mais deve ser feito de concreto é no abstrato, na mentalidade, e passa pela intelectualidade, pelo poder, pela sociedade no todo, por suas forças organizadas. A “mauvaise conscience” burguesa não pode paralisar a resposta da Ordem.

Como o senhor avalia a atuação da polícia brasileira em meio ao aumento da violência urbana?

Leandro Piquet Carneiro – Não há uma polícia brasileira. Há mais de 50 instituições policiais no Brasil, cada uma com uma história, com seus próprios problemas e qualidades. Algumas polícias têm respondido muito bem à crise gerada pelo aumento do crime: investiram na formação de seus policiais, em tecnologia e em estratégias inovadoras de policiamento e de gestão. Não posso oferecer um quadro exaustivo, mas gostaria de destacar as experiências de Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Esses três estados investiram em sistemas eletrônicos de boletins de ocorrência, criaram unidades especializadas de análise criminal, melhoraram o uso de informação e desenvolveram metodologias de planejamento que buscam integrar as ações das polícias civil e militar. Dessa forma consolidaram as bases de um modelo de gestão por resultados que já começa a apresentar resultados em alguns casos.

Jacob Pinheiro Goldberg – Ela é reflexo da integralidade da comunidade, atuando e sendo ativa e passiva na interação com o desregramento dos costumes. É preciso anotar a função executiva e superego que a polícia deve significar. É neste simbólico e imaginário que a polícia pode resgatar um papel corretivo, que parte, inicialmente, de auto-respeito. A corrupção sinaliza o deboche da tolerância zero.

O filme “Tropa de Elite” tem provocado uma ampla discussão sobre a criminalidade e sobre a ação policial no Rio de Janeiro. Até que ponto o filme ajuda a refletir sobre a violência e seu combate?

Leandro Piquet Carneiro – Não considero um caminho promissor tomar uma obra de ficção como base para a discussão de políticas públicas. O filme deve ser avaliado e analisado pelo que ele é: uma obra de ficção. Como pesquisador do assunto não me sinto a vontade para emitir uma opinião sobre um filme de ação policial. O fato do filme ter por base depoimentos de policiais e ex-policiais não o transforma em uma fonte de informação válida sobre o sistema policial do Rio. Nem é isso que ele petende, e cobrar isso do filme é injusto e empobrecedor. O fato do filme ser discutido pela comunidade de especialistas como se fosse um trabalho sociológico mostra tão somente que ainda não temos uma comunidade acadêmica consolidada na área.

Jacob Pinheiro Goldberg – Sem dúvidas, o filme “Tropa de Elite” cumpriu uma realidade catártica. Ela se iniciou no fato de que a aquisição no camelô mostrou a hipocrisia do faz-de-conta que a sociedade mantém seja com o jogo do bicho seja com a maconha, e com mil “macetes”, interface das cenas brutais e desumanas, percebidas no filme. Inútil considerá-lo de direita ou de esquerda. Ele revela um caráter insuportável de nossa sociedade que precisa ser exorcizado. Fingimos que não vemos, ouvimos, o gemido do martírio. A civilização termina quando o horror violenta os últimos vestígios de direitos. Bestialidade e tortura conduzem ao declínio de civilidade.

No Brasil, como garantir da Justiça um tratamento igual para todos?

Jacob Pinheiro Goldberg – A igualdade diante da Justiça, ou melhor, a evidente e gritante desigualdade sempre foi o estopim que desencadeou o surto revolucionário. Os corredores de nossos tribunais acabaram se tornando uma triste paisagem em que sofrem todos os personagens conscientes, desde o juiz até o réu. Volto à consideração de que se trata de mudança mais subjetiva do que objetiva. É preciso reintroduzir Sobral Pinto como uma referência, como advoguei em conferência na USP.

O escritor Affonso Romano de Sant’Anna, em entrevista, afirmou que a ética está em ruína no país. E, coincidentemente, argumentou que nunca se publicou tanto livro sobre ética no Brasil. O que é preciso fazer para que a ética prevaleça efetivamente e não seja mera retórica?

Leandro Piquet Carneiro – Acho a afirmação um lugar comum sem qualquer sentido prático. Durante o regime militar a ética certamente estava em ruínas no Brasil. Torturava-se, delatava-se, não havia Justiça e o governo mentia e cometia muitos outros erros que são próprios dos regimes autoritários. Quando o Brasil foi ético? Se voltarmos ainda mais no tempo, podemos dizer que o Brasil paroquial e provinciano do regime de 46-64 era mais ético do que o atual? Como sociedade, avançamos em quase todos os aspectos sociais nos últimos 25 anos. Veja por exemplo o quanto progredimos na saúde, na educação ou no combate à pobreza. Avançamos menos do que seria possível ou desejável, mas esses avanços não existiriam sem um regime Democrático estável. Quanto maior a pressão da opinião pública e mais livre for a imprensa, quanto mais eficientes forem o ministério público e a justiça, quanto mais as policias investigarem, mais “problemas éticos” teremos nas páginas dos jornais. O controle sobre os que exercem o poder tem sido mais eficiente, apenas isso.

Jacob Pinheiro Goldberg – Em debate, com o senador Aluisio Mercadante, argumentei que a ética e a estética caminham juntas enquanto reflexos harmônicos do esforço de convivência. A beleza não pode ser resultado de cirurgia plástica, como a decência não pode ser resultado de livros e discursos vazios e nem pode ser ensinada em manuais. Dom Quixote foi o arauto que informou ao mundo que a realidade só existe em sintonia com a fantasia. Ética decorre de opção moral, opção moral depende de código de valores que se baseiam na virtude. Não pode existir virtude numa sociedade presidida pelo “Grande Irmão”, de Orwell.
O senhor tem afirmado que o aumento do número de soldados no policiamento das ruas é decisivo para obter uma redução no número de crimes. O secretário de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, também defende esta tese. O que tem sido feito efetivamente nos grandes centros sobre essa questão?
Leandro Piquet Carneiro – Aumentar o número de policiais é apenas uma parte do trabalho. Isso é importante, mas a tarefa mais difícil é fazer com que esses policiais sejam capazes de prender cada vez mais infratores. É preciso também elucidar mais crimes, apreender mais armas e mais drogas, abordar mais supeitos. O Rio de Janeiro é um exemplo de como políticas erradas podem produzir resultados desastrosos. Os governos do Estado, até o momento, fizeram uma opção preferencial pela impunidade: contemporizaram com estruturas policiais corruptas, promoveram doutrinas erradas, como a idéia de que é possível combater a presença de armas sem enfrentar o tráfico de drogas nas favelas, e investiram em projetos de alta visibilidade, como as Delegacias Legais, que não têm nenhum efeito potencial sobre o crime. O policial continua mal pago, mal treinado e sem supervisão. As polícias não prendem e não investigam, os presídios estão vazios e controlados pelo crime. Esses são os entraves a serem resolvidos. A mensagem da autoridade pública em uma situação conflagrada como a do Rio de Janeiro deve ser a mais clara possível. Do meu ponto de vista, é muito bom saber que não se pretende negociar com corruptos e criminosos, que não há ‘meia’ Lei, que não haverá paz para traficantes armados ou desarmados. E, principalmente, de que essa mensagem será sentida nas ruas.

Jacob Pinheiro Goldberg – O Exército e as Forças Armadas, em geral, precisam ter um papel saliente na chamada “ação de presença” que devolve a rua ao cidadão. O cidadão foi exilado da rua e vive acoelhado nos “shoppings” e nos edifícios vigiados. Mas para isto é preciso um preparo junto à tropa. Apresentei, na PUC-SP, o trabalho “Serviço Social no Exército brasileiro”, em cima de um estudo no 4º RI, em São Paulo, em 1962. Nele, constatei que o soldado, tanto do Exército como da polícia, precisa ser amparado, inclusive sua família, para só então exercer um papel de exemplo e de cidadania.
O que fazer para viabilizar uma aplicação com mais rigor nas punições aos criminosos ao lado de uma maior flexibilidade na forma de cumprimento das penas?
Jacob Pinheiro Goldberg – Crimes teratológicos têm sido tratados de forma benigna e pequenas transgressões jogam pobres diabos nas escolas de pós-graduação, que são nossas penitenciárias. Sugiro que se introduza, de forma maciça, a sociologia, a psicologia, a pedagogia, a educação e o trabalho nos sistemas prisionais, tanto como modalidade de socialização como processos de proteção da comunidade.

Alguns estados brasileiros, em especial Minas Gerais e São Paulo, têm convivido com o aumento da violência na área rural e em pequenas cidades, praticamente desguarnecidas de policiamento e de delegados. Como o senhor vê esse problema?

Leandro Piquet Carneiro – Há de fato uma convergência nas taxas de homicídio não só nesses estados, mas em todo o Brasil. Os municípios estão ficando mais parecidos no que diz respeito aos seus níveis de criminalidade. Durante os últimos trinta anos, o número de crimes nas grandes cidades e regiões metropolitanas do Brasil cresceu muito e houve portanto, como seria razoável esperar, uma concentração do policiamento nessas áreas. E não apenas o gasto público com segurança aumentou, como também o gasto privado com auto-proteção. Isto produziu uma elevação nos custos do crime nessas áreas, o que por sua vez produz um incentivo para a migração do crime em busca de outras áreas que ofereçam vantagens comparativas. Muitas cidades de porte médio no Brasil são muito atraentes para os criminosos porque têm um nível razoável de riqueza, o policiamento é menos presente e as pessoas adotam menos medidas de auto-proteção. Por exemplo, moram em casa, não dirigem com as janelas fechadas, não têm sistemas de alarme em casas e carros, entre outras medidas dessa natureza que são corriqueiras nos grandes centros urbanos do país. As oportunidades geradas nessas cidades serão devidamente exploradas pelo crime.

Jacob Pinheiro Goldberg – As pequenas cidades, freqüentemente, são deixadas de lado nos diagnósticos que partem de pressupostos quantitativos. É mais uma forma lamentável de reducionismo. A questão da segurança concerne a todos, independentemente de geografia ou de economia. O Estado é obrigado a oferecer condição preliminar para o desenvolvimento do cidadão, em ternos de qualidade de vida, e isto se inicia, com a proteção à vida. Hoje, somos todos reféns da bandidagem. Mudar o jogo exige mudar as regras.


Leandro Piquet Carneiro é carioca e tem 42 anos. É economista graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutorado em Ciência Política pelo IUPERJ. Leandro é pesquisador visitante do Taubman Center da JFK School of Government de Harvard e professor do Departamento de Ciência Política e pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da Universidade de São Paulo. Atualmente coordena o fórum 'Um Novo Repertório de Estratégias Frente ao Crime e à Violência na América Latina' no Instituto Fernando Henrique Cardoso.

Jacob Pinheiro Goldberg nasceu em Juiz de Fora, reside em São Paulo, é psicanalista, doutor em psicologia, advogado e escritor. Entre outros livros publicados no Brasil e no exterior se destacam “Psicologia da Agressividade” e “Magia Wignania”.


*Jorge Sanglard é editor da Revista OAB-MG 4ª Subseção.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Conselho de Notáveis da Universidade de Guarulhos



Guarulhos, 05 de novembro de 2007



Ilmo Sr. Prof. Doutor
JACOB PINHEIRO GOLDBERG

Ilustríssimo Professor Doutor,
A Universidade GuarulhosUnG, por seu Chanceler, Professor Antonio Veronezi, vem agradecer Vossa Senhoria por ter aceito integrar o Conselho de Notáveis da UnG.

A reunião será no Restaurante Massimo, sito a Alameda Santos, 1826, no próximo dia 3 de dezembro de 2007 (segunda-feira), às 12 horas, no Salão de Reuniões, durante almoço de confraternização.
O objetivo fundamental da Universidade quanto a criação do Conselho de Notáveis é de receber críticas, sugestões e orientações, para dar respostas pontuais às demandas do mercado e da sociedade, relativas à melhor formação dos profissionais.

Já integram o Conselho, personalidades ilustres, como Vossa Senhoria, e entre eles Professor Dr° Adib Jatene, Professor Dr° José Goldemberg, Dr° Fernando Capez, Professor Dr° Celso Luiz Martone, Dr° Carlos Eduardo Moreira Ferreira, Dr° Elói Alfredo Pietá, Drª Eneide Maria Moreira de Lima, Dr° Daniele Pestelli, Dr° Wilson José Lourenço Júnior, Jornalistas Heródoto Barbeiro, Carlos Tramontina, Rodolpho Gamberini e José Nello Marques.
Na certeza de ter Vossa Senhoria muito a contribuir, dada sua vasta e reconhecida experiência, agradecemos confirmação de presença para esta reunião.
Atenciosamente,


Prof. Antonio Veronezi
Chanceler
Universidade Guarulhos

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Psico - Oncologia

Palestra proferida no Hospital do Câncer
“I Curso de Pós-Graduação em Psico-Oncologia e
I Curso de Aprimoramento Teórico em Psico-Oncologia”


Em primeiro lugar, gostaria de dizer que para mim é uma satisfação muito grande estar neste instituto, que é uma das organizações científicas mais respeitadas do país trabalhando numa área de vanguarda que demanda uma vocação e um empenho no exercício da profissão, conceitos esses que eu, com muita prontidão, aplicaria à Drª. Maria Tereza Lourenço com quem vocês tem o privilégio de privar e ter ciência da forma de sua dedicação, tanto no sentido científico, e nisso numa posição de humildade e, ao mesmo tempo, de proficiência, de dedicação que são elementos fundamentais na tentativa de compreender a contingência e a condição humanas.
Alguns anos atrás, depois da morte do meu pai e da minha mãe, resolvi refletir a respeito do significado da morte para o sobrevivente, mas também, para cada um de nós que em algum momento se depara com esse jogo fragmentário que é imposto pela existência.
Provavelmente, vocês conhecem uma expressão muito feliz do folclore brasileiro que é a adivinha, gostaria de dizer que me agrada muito quando escrevo ou faço uma exposição oral usar esta metodologia, a das adivinhas. Exatamente porque, tanto no exercício da profissão, mas também na elucubração mental e na escrita, existiu uma ruptura que o cineasta Ingmar Bergman colocou de maneira brilhante quando se indagou para o que serve o discurso linear, a idéia de começo, meio e fim, quando na verdade a vida não obedece a esse processo. Há uns 2 anos, foi publicado no Brasil, o livro extraordinário de Carlo Guinzburg, chamado O Olhar de madeira. Ele abre com uma citação de Colodi, no Pinocchio. “Grandes olhos de madeira, por que olham para mim?”
Quando pensei em vir aqui conversar, pensei em começar com essa idéia do morto como excluído. As últimas décadas marcaram, com pressão ideológica, a idéia de incluir na cidadania os grupos discriminados: a mulher, o negro, o idoso, a criança, o homossexual. Uma das exclusões mais cruéis que a cultura ocidental impõe é a do morto, não se fala, não se pensa no morto, como se porventura ele não existisse, quando na realidade, quando nos debruçamos sobre os mecanismos da tanatofobia observa que existe subjacente no medo da morte, o medo da perda do significado da existência.
Escrevi um texto publicado no livro de um grupo de pesquisadores do Emílio Ribas, “HIV/AIDS” - Retroviroses Humanas de autoria dos Professores Ricardo Veronesi, Roberto Focaccia e André Villela Lomar, onde conto uma experiência relacionada com um paciente de psicanálise, um moço que me procurou e naquela ocasião já era terminal, e antes de morrer, numa das sessões, ele usou uma frase que me impressionou muito, ele olhou pra mim, e disse: “Não me deixe morrer”. E eu disse: Como é isso? “Eu não gostaria que minha história ficasse esquecida”. Era um jovem homossexual. Esse texto foi publicado por uma organização feminista de Auckland, nos EUA, SOS Women: “Não me deixe morrer. (Don’t let me die”).
Quando ele informou ao pai que estava com Aids, o pai disse: “Prefiro um filho morto do que um filho viado.” E, realmente, antes de morrer ele me disse: “Conte essa minha história”. E eu contei. A partir daí, comecei a observar esse gênero de preocupação não só em pacientes terminais, mas em indivíduos que de alguma maneira, têm a coragem de exercitar as suas vidas assumindo a consciência da morte, e fui percebendo como é que pessoas que tem essa coragem vivem, essa coragem é freqüentemente confundida com covardia. Acredito que a fronteira entre essas duas catalogações seja muito sutil, muito tênue.
Não vou me poupar esse dever de não deixar que ele morra, cada vez que conto a história dele, estou correspondendo ao desejo manifesto.
Vou contar um pouco de tudo. O pai fala: “Eu seria capaz de te matar com minhas próprias mãos”. A mãe arrematou: “Teria sido melhor se você tivesse nascido morto”. Na verdade, ele invejava os amiguinhos de rua mais agressivos, fortes e briguentos. Sempre pelos cantos, tímido, aceitava o uso de seu corpo como carícias dos moleques mais velhos, não entendia por que, depois, o ridicularizavam, debochavam e batiam nele até que satisfaziam o desejo deles. Ele que só queria sobreviver em paz, que o esquecessem, pelo amor de Deus. Resolveu amar a Deus. Deus era homem também. Queria um pai, precisava de um irmão, queria um filho. Jamais iria ter um filho, era incapaz de sentir desejo sexual por mulher. Não entendia, sua alma se encantava com qualquer sorriso masculino. Quem sabe este homem forte o protegeria dos moleques que todas as noites, nos pesadelos vinham exigir seu corpinho fraco para depois cuspi-lo fora. Esse homem forte, casado, que, furtivamente, nos banheiros dos cinemas, nas saunas, o tocava depressa para, logo depois, com brutalidade, murmurar: “Se arranca veado!” Agora que já tenho 23 anos, que já estou velho, eu sei que foi aí que peguei Aids, mas agora não quero mais sexo, só penso em Deus. Doutor: “Deus vai me perdoar? Devo ter feito alguma coisa terrível, não sei o que, castigo tão grande. O quê? Eu voltei a minha terra e prometi ao meu pai que jamais faria o mesmo. Ele me deu um murro na cara, e naquele momento pensei: Nunca tive pai. Agora, serei sozinho para sempre. Até que encontrei o C. Ele cuida de mim e eu sou estúpido com ele, mando ele embora e ele volta. Por que esse desgraçado não me larga. Passa as noites sem dormir, me carregando até o banheiro. Quando eu enlouqueço... Eu estou louco, né doutor? Eu peço a ele: Não me deixe morrer. Doutor, você também. Ele me promete: Não vou deixá-lo morrer. É uma confusão, às vezes o chamo de pai. Na UTI, ondas de gelo e fogo pelo corpo, cheguei a pensar: Eu que devo perdoar a Deus. Esse é um solilóquio de um paciente terminal que tinha uma vocação de intelectual, um homem que pensa, que reflete, que busca imprimir um sentido à sua vida. A transformação da morte em uma imagem.
Fragmentariamente, voltando.
A minha primeira preocupação foi, nos últimos tempos de vida da minha mãe, que estava mais doente, eu percebi quanto era complicado o silêncio opressivo que se fazia em torno dela, a hipocrisia de uma informação de eternidade que obviamente ela não admitia. Comecei a conversar com ela sobre isso. Num determinado instante, inspirado num livro, que recomendo, O livro tibetano dos mortos, pensei: Essa dura tarefa não tem a quem o delegue, eu, como filho, vou ter que executá-la, assim como ela me trouxe à vida, vou ter que ajudá-la a entrar, penetrar e transcender para a morte. E conversamos sobre isso. Ela, uns 2 anos antes havia escrito um livro de poesias, ela semi analfabeta, mas inspirada e resolveu dedicá-lo a Jorge Luis Borges, o genial escritor argentino e acabei conseguindo armar um encontro entre ela e Borges e ela se comprometeu a ir à Buenos Aires para conhecê-lo. Sábado de manhã eu sai de casa, ela não estava bem, mas naquele instante ela recusava qualquer tratamento médico, e ela disse: “Vai embora que estou bem.”A partir daqui o relato é de meu pai. Fazia 4 ou 5 dias que ela estava de cama. Ela estava ouvindo o noticiário e ouviu que Borges havia falecido em Buenos Aires. Ela levantou-se da cama e disse: “Eu vou pendurar a roupa no varal”, pendurou a roupa e caiu morta. Escrevi uma crônica que foi publicada no Estadão, dizendo que a partir daí, eles iriam se encontrar na Buenos Aires celestial. Eles tinham encontro marcado e em algum lugar teriam que se encontrar.
Todos vocês conhecem a lenda de Scheerazade. Existe um jogo de vocabulário muito bonito entre o falus e a fala. O sultão tem o falus, ele tem o poder de matar. E Scheerazade fala, ela conta a história. Em geral, as interpretações que tenho lido vão no sentido de que ela conta a história que tem uma rede que continua e ele não a mata para saber a continuação da história. Eu fiz uma interpretação com uma licença poética diferenciada. Ela fala e conta a história para não morrer. A preocupação dela não é ser assassinada pelo sultão, é mais do que isso, é preciso falar para não morrer. E é claro que essa fala tem que ser a fala de cada um de nós. A nossa história, a história que estamos vivendo e contando, senão a gente se transforma num zumbi, num morto vivo. Fala a fala alheia, a fala do outro. Essa traição é uma forma de morte que é relatada por quase todos os filósofos que abordam o tema da morte no sentido de que ela não tem esse caráter de despedida final, mas que ela tem essa possibilidade de Fênix através do qual a gente renasce das próprias cinzas. Um poema bonito de Stenvenson:
Sob o céu ermo e estrelado,
abram a cova e me deixem deitar.
Feliz eu vivi e feliz eu morro.
E me deitei como uma última vontade
Gravem este verso para mim
Jaz ele aqui onde ansiava estar
De volta o marinheiro, de volta do mar
E o caçador, de volta das montanhas.

Escrevi o prefácio do clássico de Philipe Aries “A História da morte no Ocidente”, e você vai percebendo quanto a morte foi transformada num terror e relacionada sempre culturalmente à idéia de punição, morre porque é pecador, morre porque está errado, morre porque cometeu algum dislate. Nunca morre porque morre.
Repetir é uma outra ótica que permite uma prospectiva.
Valentim Rasputin nasceu em 1937, num povoado chamado Ushti Udá, nas margens do Rio Tangará, na Sibéria. Ele tem um conto chamado A Velha. Uma mulher encarquilhada e muito velha ficava deitada num catre permanentemente gemendo, ela tinha sido xamã na juventude, que é um feiticeiro, quem cura com ervas, crendices, encantos e feitiços, mas o xamanismo foi proibido na União Soviética, perseguido e punido. A velha diz à filha: “Minha filha, eu estou morrendo”. E a filha diz: “Você está com medo?” A velha: “Não estou com medo, estou preocupada. Todo o meu saber, tudo o que eu conheço, quando eu morrer, não vou ter para quem passar, são centenas de anos de conhecimento que vão morrer comigo, e eu queria passar pra você.” A filha: “Você, além de doente, está louca. Isso são crendices e superstições estúpidas e absurdas e a mim não interessa ser feiticeira, xamã”. A velha começa a grunhir de dor. A neta entra e pergunta: – “Por que ela está gemendo?” – A filha: – “Por que ela pensa que é uma xamã”. A velha chama a neta e diz: “Eu quero transmitir o saber para você!” E a menininha sai correndo de medo. E a velha morre. No dia do enterro, o prefeito da cidade e os vizinhos fazem discursos em homenagem à velha, o prefeito diz: “Ela era uma grande cidadã, ela participava sempre das atividades cívicas da nossa cidade”. Uma vizinha diz: “ Ela era uma grande vizinha, sempre amiga.” Outra diz: “Eu a conheci quando jovem, ela era muito bonita”. E assim vai. A cerimônia termina. No dia seguinte, a menina sai clandestinamente de casa, vai ao cemitério, chega perto da sepultura da avó e repete essas frases: “Ela era uma grande cidadã. Ela era uma grande vizinha, sempre amiga. Ela era muito bonita.” Ela olha pra pedra e diz. “Está vendo vó, você não morreu, eles enterraram uma outra mulher.”
Fica claro que de alguma maneira, a criança deu a informação do Mistério que é a dimensão da qual estamos falando. Fico perplexo quando alguém faz qualquer pergunta concreta sobre a morte. Estamos face ao Mistério. Como podemos falar em concretude quando estamos diante do Mistério? É claro que não reside, não habita, não termina, nem está aprisionado no território da morte. Muito pelo contrário, é permeabilizado e livre no território da vida.
O escritor muçulmano Salmon Rushdie tem uma frase muito lúcida a respeito dessa dinâmica, ele diz: “Que o passado não seja o seu túmulo, mas o seu berço”. Quando discutimos e nos detemos diante dessa questão, imaginamos a morte do outro, de preferência a dos inimigos, nunca a nossa morte. Fica difícil para o contemporâneo narciso se deparar com a sua impotência, quando todo o apelo é pela onipotência. Todo o apelo da sociedade de consumo é a idéia de um poder sem limites, que sabemos encontrou uma formulação muito repetida com todos os estragos daí provenientes: Querer é poder. Nessa bipolarização entre a onipotência, a idéia que se pode tudo, e a impotência, que não se pode nada, fica estabelecido o verso e o anverso do mesmo processo. Aí deixamos de lado o que a gente pode sim, que é pensar a respeito.
A história de um sábio muçulmano sufi chamado Nasrudin. Ele conta aparentemente anedotas e transmite a sua profunda sabedoria através de pequenas histórias: Certa vez, havia um homem que costumava montar a barraca dele na feira. Chega uma mulher muito bonita e diz: “Boa tarde, eu sou a morte e quero dizer que na próxima semana, quando você montar a sua barraca eu virei buscá-lo. Lívido e apavorado corre ao encontro de sua mulher e diz: “Eu jamais imaginei que a morte fosse tão imbecil. Imagine que ela me avisou que vem me buscar. Agora é muito simples, ao invés de montar a barraca na feira da cidade, vou ao outro lado do país e monto minha barraca”. A mulher diz: “É realmente você é um sujeito genial, e você passou o pé na morte”. Ele vai faceiro e monta a barraca. Ele está lá vendendo quando chega a morte e diz: “Que feliz coincidência, eu estava preocupada porque hoje eu não poderia ir buscá-lo na cidade onde marcamos nosso encontro”. Atrás disto existe a sabedoria, que vocês conhecem, que é uma das grandes vertentes da iluminação oriental, que é fatalista, que é encarnada numa sentença: Não somos a mão que lança a flecha, somos a flecha que foi lançada. Imaginamos, a partir do iluminismo, que podemos dobrar o destino.
É um dos esforços da nossa civilização que é muito meritório, que é o voluntarismo, a idéia da soberania imperativa da vontade, do esforço de existir, que é muito mais do que viver, existir é dar um significado à própria vida.
Uma das pedras fundamentais da nossa civilização é consubstanciada no sentido inaugural da palavra: no início era o Verbo.
James Joyce termina o seu romance magistral com uma palavra que foi traduzida para o português como finício, é o fim que é o começo. A morte como metáfora da vida. Não sei se vocês leram uma crônica autobiográfica de uma escritora norte americana que teve um câncer, Susan Sontag, que é a tentativa de continuar vivendo através da palavra.
Escrevi o livro A clave da morte, nesse livro conto o cerimonial que caracteriza nas ilhas Salomão os momentos finais daquele que prevê a sua morte. O indivíduo ao perceber que sua hora está próxima, convida os parentes e amigos para que assistam a sua morte, veste suas melhores roupas, conversa com os amigos e descendentes e distribui todos os seus bens, trata-se de uma autêntica festa que antecede o último suspiro.
Vocês que como médicos têm um trato permanente com as doenças mais graves, mais difíceis, com muita freqüência são vizinhos e se deparam com a morte em vosso trabalho cotidiano, e não sei se já tiveram por acaso uma experiência que guardasse parecença com uma experiência que eu tive que vou dividir com vocês. Alguns anos atrás, fui procurado por uma pessoa que fazia análise comigo e ele disse: “Minha avó está doente e está morrendo, mas ela diz que gostaria de fazer análise com você, ela não pode vir, está de cama, você iria lá? Quando ela me descreveu o perfil da psiquê dela, eu disse: Eu vou sim. E fui até lá. Entrei no apartamento, tinha algumas pessoas da família na sala, todos com ar compungido, tristes. E eles me apresentaram aquela mulher, e ela também estava com ar tristonho, melancólico, depressivo. E aí perguntei se eu podia fechar a porta. Pedi para as pessoas que me acompanhavam que saíssem e fechei a porta. Quando olhei para ela, ela estava rindo e disse: “Que bom que esses chatos saíram daqui. Eles ficam adivinhando que estou sofrendo e estou com medo. Eu o chamei aqui porque tenho algumas coisas da minha vida que quero contar para alguém, eles não querem me ouvir, eles querem me consolar. Eu quero dividir algumas histórias. Imaginei que seriam histórias difíceis, será um lamento, uma espécie de busca do tempo perdido de Proust. Ao contrário, ela começa a me contar uma vida maravilhosa, alegre, extraordinária, leviana até para os valores da época, e diz: “Eu não suporto essa idéia que eles fazem de mim dessa avó sacrossanta, eles que coloquem um pôster na sala”, e ficamos ali às gargalhadas. Quando abri a porta, a família olhava como se eu tivesse violado os mais profundos pactos da família, pactos estabelecidos encima da angústia e da dor, e imaginaram que esse pacto tivesse sido rompido, como o foi.
O Imperador romano Marco Aurélio que é um marco no desenvolvimento da filosofia estóica, tem uma passagem muito bonita, ele relativiza a importância, grande parte da dor que o Ocidente empresta à morte é esse senso individual que faz com que a gente se imagine o centro do mundo, o centro do cosmo, a impossibilidade de se colocar à distância, sem pieguice. A capacidade de proporcionar os episódios da nossa vida.
Em Londres, depois da aula que proferi na “London Medical School”, conversando com um amigo, ele contou um fato muito interessante. Assim: Um paciente dele, que estava no período final de sua vida, adoentado, combalido, chegou e lhe disse: “Você me conhece há muitos anos, eu queria te pedir que, quando eu morrer, que você não guardasse as impressões finais que são de decrepitude, de estrago, mas que você tentasse verificar a dinâmica da minha vida, não fixe como se fosse uma imagem congelada num filme, e tente verificar que esse é um momento de uma longa história”.
Esse é um dos aspectos interessantes das possibilidades de compreendermos essa relação com a nossa própria morte.
Por curiosidade, uma pesquisa assinalou doze mil divindades fúnebres, inventadas no curso da história da humanidade, para sacralizar a noção da morte. Do mesmo jeito que existe a tanatofobia, existe a tanatofilia, o impulso de viver e o impulso de morrer co-habitando. Em psicologia existe uma expressão que tem uma âncora freudiana que define a morte como o supremo desarme das tensões. É um feliz achado verbal.
Quando a escritora Gertrud Stein estava no leito de morte, ela perguntou para um amigo, um sábio, naqueles momentos finais, pegou a sua mão e disse: “A resposta, qual é a resposta?” E ele disse: “A pergunta, qual é a pergunta?” Aparentemente, trata-se de uma dialética que escamoteia, que joga com as palavras. Mas na realidade, de alguma forma, isto nos remete a um processo de esconde-esconde, um processo lúdico, que talvez seja a única forma de encarar esse grande enigma como um mistério que deveria ser respeitado na sua restrição e no seu infinito acontecer.
Alguns trabalhos feitos por sociólogos, e lembro de alguém que era mais que sociólogo, era um erudito, Elias Canetti no qual fala sobre a teratologia dos tempos modernos que foram despindo a pessoa de sua pessoalidade, transformando o indivíduo no “l’Uomo qualunque”, um homem qualquer. Alguém que tem um número, tem um registro, mas de quem foi roubada a individualidade, alguém que funciona em grupo. É um paradoxo terrível. É uma valorização da idéia do coletivo sacrificando o individual, mas ao mesmo tempo exaltando a idéia da solidariedade. Isso é muito curioso, muito estranho, que é o que acontece nas megalópoles, o indivíduo acaba se transformando em um anônimo. Ele perde a dignidade do ser em vida. Ele deixa de existir para se transformar num membro de um grupo, sem permitir a solenidade, a grandeza, a promoção do indivíduo, em alguém que tem o vínculo da pertença, que se sente aparado e aparando, se sente nascendo, vivendo e morrendo junto com os outros, num processo de compartilhar.
Vou terminar citando o poeta Robert Frost, que diz assim: Milhas a trilhar antes de dormir.
A nossa fantasia, o nosso sonho, o nosso inconsciente é atemporal e inespacial, enquanto estamos aqui conversando, você pode estar preso à uma lembrança nostálgica de dez anos atrás. Encima dessa atemporalidade e inespacialidade é que se pode contestar essa permanente pressão que nos leva ao stress, de achar que viver implica em instantaneidade e simultaneidade, de achar que temos que estar “aproveitando cada minuto do nosso tempo”, como se fôssemos uma caricatura de máquina, que não pode permitir que se esgote nenhuma alternativa, nenhuma possibilidade, sacrificando esses horizontes internos que ficam espelhados nesses versos:
Ainda que reste alguns segundos
nós temos milhas a trilhar,
antes de dormir.

Obrigado.

Abre-se para perguntas:

Pergunta: O senhor, no início da sua fala, falou em morte como uma dimensão, haveria um aspecto religioso ou espiritual nessa dimensão?

Posso tentar responder fazendo duas citações, não são minhas, nasci em Juiz de Fora, Minas Gerais, uma é de Krishnamurti:
“Todos os dias, morro um pouco”.

A outra é de um filósofo cristão, Teillard du Chardin:
“Na dimensão do cosmo, só o impossível é crível”.

E lembrei agora, coincidindo com Teillard du Chardin, do romancista Isaac Bachevis Singer, que diz:
“Se isto é possível, tudo é possível”.

E isto é cada momento das nossas vidas, da nossa existência. Na linha de Martin Buber a questão do encontro e da divergência. Qualquer um que nos contar a fábula da sua vida, onde nasceu, como evoluiu e como chegou até aqui, vamos imaginar que existe muito de ficção. Alguns acreditam que isso possa ficar na categoria da espiritualidade ou num conceito institucional de religião. Espero que tenha correspondido.

Se ninguém tem mais perguntas a fazer, podemos terminar com uma piada para aliviar a gravidade do tema:
Um paulista se encontra com um nordestino e pergunta: “E então, quantos irmãos vocês são?”
O nordestino – “Somos nove”.
E o paulista diz: “E todos trabalham?”
O nordestino – Não tem um que é vivo”.

Até a próxima!

Jacob Pinheiro Goldberg

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Conferencista - Tribos Urbanas

Conferencista
JACOB PINHEIRO GOLDBERG




Tribos urbanas, movimento de massas e mobilização social: silêncio e histeria nas manifestações públicas


Cobertura da palestra


Dia 05/06 19h Local: Caixa Cultural Rio de Janeiro



A tribo urbana é a herdeira sociológica dos parênteses-mecânismos de defesa e ataque - isolando o indivíduo em grupos no percurso da história.
A cidade, principalmente, a megalópolis, representa a esperança e a paranóia, contraditóriamente, a valorização pessoal.
Religiões e esporte, idiomas e etnias, fluxos imigratórios e guetos sócio-econômicos, repercussão de estilo e condutas complexas, redes infindáveis sutis e rígidas, transpondo fronteiras lógicas. A tribo urbana é a senha da inclusão e o anátema do despossuído.
Independência e autonomia, a utopía anarquista resiste, na arte-estética sublimada e na arte-aprontação. Muda e impotente a tribo silencia ou ruge, histérica.
Resta Scheerazadja que para não morrer precisa cortar a novela que inventa, pela Internet.
As tribos incluídas ou exclusas na massa, definem tendências e emprestam caráter à modelagem do processo social.


Entrevista


Quais são suas recentes pesquisas sobre movimentos de massa e mobilização social?


Recentemente lancei um livro, “Cultura da Agressividade”, refletindo sobre alguns pontos deste tema. O primeiro se refere aos grupos tendentes à horda, marginalidade, crime, independentemente dos seus cortes de classe social. O segundo ponto são grupos afins, desde a torcida de futebol até os clubes de serviços. E, por último, as tribos indistintas e de tecido comum – sejam religioso, cultural ou ideológico; permanentes ou conjunturais.


Qual é o principal interesse do tema sob o aspecto psicológico?


Sempre estive atento ao fenômeno da tribo urbana, por uma questão pessoal de repulsa à organização que horizontaliza e por uma convicção filosófica de que a liberdade passa pelo espaço individual. Isso foi atestado nas ultimas décadas pela desmoralização e desqualificação das utopias de coletivização.



Houve mudanças na dinâmica das manifestações públicas em grandes centros urbanos nos últimos anos?



Os meios de comunicação e cultura de massa com seus avanços tecnológicos substituíram o cômico em praça pública e as marchas de rua, com vantagens e prejuízos decorrentes. Basicamente, menor envolvimento passional e ampliação da linguagem global e da participação singular. Por outro lado, há um nicho de enganos, erros e infâmia no espaço de uma “cultura google”, que dá margem a superficialidade e a uma espécie de arena sem códigos de civilidade nítidos.


A solidão estaria marginalizada na sociedade contemporânea?



Defendo a tese antipática de que só a alienação pode provocar nosso autêntico encontro final. E, na trilha de Fernando Pessoa ou Franz Kafka, creio que somente na contramão dirigimos nosso destino. A tribo exalta, mas a graça é a solidão. Quem pertence a algum grupo social se perde num “outro” antropofágico.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Psicanálise e Literatura

Num debate realizado pela “Folha de São Paulo”, na série Diálogos Impertinentes, defendi a tese, politicamente incorreta de que só através da alienação, o individuo se desaliena das amarras aparentes do Real. Penso e falo em cut-up, melitzá. Á quem interessa a lineanidade, pergunta Bergman.É no terreno etéreo e inespacial da subjetividade que a psicanálise e a literatura se entrecruzam numa relação incestuosa e adúltera, eis que rompem regras e fingem rituais. O mais importante psicanalista de todos os tempos, o que encarou no sentido de enxergar e de encarecer a conduta humana foi Marcel Proust entre os passados possíveis e impossíveis, portanto imperdíveis.O mais importante romacista de todos os tempos é Zygmunt Freud que criou uma narrativa universal, em cima de uma fábula grega que se dasabrocha e fenece na vida de cada um.O paciente que se dispõe a desenrolar sua narrativa, conto, romance, poesia é o co-protagonista e co-autor, junto com a o psicanalista de um raconto que lembrou Jorge Luiz Borges precisa ser traduzido como “Mil noites e mais uma” e não “As mil e uma noites.”Scherazade descobre como não se morre (e o paciente como não se adoenta ou como se cura). O sultão não quer um mero “affaire”, os corpos que se unem por uma noite e no orgasmo (a pequena morte da medicina clássica) que finda.O sultão está em busca de continuação, do final, enfim, do SENTIDO das vidas que se entrelaçam, projeção de sua própria vida, correndo da necrofobía, atrás da eternidade.O efêmero é a síndrome do pânico que desencadeis sua necrofilia, a vontade de matar e no objeto cadavérico o atestado de sua desimportancia.Ágape e Eros, demandam uma voz que conta e encanta, o encantador de serpente e um ouvido que ouve e interpreta, o olho que enxerga precisa se distrair ou ler na biblioteca universal, ainda na metáfora borgeana.Cedo, muito cedo, no curso primário, em Juiz de Fora, aonde nasci, no colégio metodista, Instituto Granbery, vivi a contradição cultural e religiosa de filho deimigrantes judeus poloneses e aluno de assembléia teológica de exaltação a Jesus. Condimentado na vitima de “bullyng”, pelas orelhas de abano e o apelido conseqüente, “Dumbo”.Não bastava.O pré-nome Pinheiro, dado em homenagem a meu tio Pinkas criava suspeita entre os judeus, Será um “misto”? Embora neto materno do Rabino Aron Elwing.E as aflições e esperanças, depressão e euforia daqueles anos em que o Brasil vivia a ERA DA INOCENCIA e que hoje desemboca na ERA DO CINISMO.Escrevi num dos meus primeiros livros – quem nasceu no meio daquelas montanhas, sem o horizonte do mar, e nestas circunstancias tem a alternativas da poesia ou da demência.

Dom Quixote é o vestibular da modernidade desconstrutiva, na literatura em que Cervantes antecipa a “weltschmerz”, agonia em que Freud desenha o painel do “humano, demasiadamente, humana”, de Goethe.E se faz a citação que lembra o verso surreal em Dante- “chove na mais alta fantasia”. É no Talmud, este repositório de uma sabedoria não linear que se funda esta arte-ciencia que colore o século XX e há de responder ao século XXI, e não a Economia, Sociologia ou qualquer das chamadas artimanhas que o demônio mentiroso do concreto propõe: “um sonho não interpretado é como uma carta não aberta”.Quando li, vez primeira, em Luiz de Camões – “Alma minha gentil que te partiste, tão cedo desta descontente, repousa lá no céu eternamente, e viva eu cána terra sempre triste”, fiquei atento ao literal, o desespero do vate que perdera sua musa inspiradora. Surpreso ao ler uma versão para o inglês do inicio do verso – “ My gentle spirit”, no viés entende que se tratava do rasgo neurótico. Com a morte da mulher querida, ele, Camões vive. Um em dois, o “insighit” revelou que o Eu iria descansar e o eu minúsculo, seu corpo iria mergulhar na melancolia, na depressão.Portanto, símile a “O Corvo” de Edgar Alan Poe, o passado, tecido agridoce de lembranças ficaria repetindo o “Nunca mais”, que agora, neste instante, neste momento, neste lugar, nesta estória que estamos elaborando juntos, eu num causo”, juntando associações e lapsos, ausências e presenças, celebramos em comunhão. Comunhão esta que me reporta a meu pai que contava o “witz”,referido por Freud e que sempre tinha o sabor dum testamento.Rindo, chorando, no estado que o espanhol define como o de “mala sangre”, ou na gargalhada provocada pela anedota banal, Machado de Assis, cessa, praticamente seu veio maior quando sua mulher, sua ouvinte morre e ele morre em seguida, mesmo porque esta é a suprema manifestação que o americano chama de “serendipty”, o estado em que o universo nos harmoniza com o fluxo enigmático do destino.Nasrudim, o sábio tolo, do sufismo, recebe os sábios da aldeia que pedem que lhes revele a história da verdade. Nasrudim exige pagamento a população que acorre á praça para ouvi-lo. “Alguém conhece a verdade?” A população responde em coro-Não! Nasrudim se afasta resmungando, se ninguém conhece a verdade é inútil discutir. Os lideres da aldeia reclamam e Nasrudim retorna e a população já combinou a resposta. “Alguém conhece a verdade? Sim! Responde o coro. Ora se conhecem a verdade vou me embora”. Pela terceira vez os chefes exigem sua presença e a população já preparou outra resposta. Alguém conhece a verdade? “A metade dos presentes responde que sim, a outra metade que não”. Clímax. “Nasrudim sorrindo desfecha – A metade que sabe conte revela para a metade que não sabe”.O silencio do psicanalista, os percursos, a tragédia e comédia que se realiza no drama, encontra um ponto de inflexão na obra de Ítalo Svevo, “A consciência de Zeno”.No prefácio o Doutor S. escreve – “Seja dito, porém que estou pronto a dividir com ele os direitos autorais desta publicação, desde que ele reinicie o tratamento. Parecia tão curioso de si mesmo: Se soubesse quantas surpresas poderiam resultar do comentário de todas as verdades e mentiras que ele aqui acumulou”...O Premio Nobel de Literatura, japonês Kenzaburo Oe, escreveu um livro semi-auto-biográfico. “Jovens de um novo tempo,

despertai”. Trate-se da comovedora história de um pai que tendo um filho deficiente, excepcional, inspira-se em versos do grande poeta William Blake – E tudo se inicia com esta passagem antologica – “Pai! Pai! Aonde vais? Não andes tão depressa. Fala, pai, com teu filhinho,senão me perderei.”Or else I shall be lost.Esta a quintessência do que pretendi com esta exposição e que arremato, com um poema de minha autoria que foi traduzida para polonês pelo professor Henrik Siewierski, das universidades de Cracovia e de Brasília um peregrino da cultura, publicado no livro “Magia Wygnania”. A incomunicabilidade que tenta se comunicar.
O Cavalo e Eu.
Extasiado, fiquei olhando os olhos do cavalo. Mas enxergava mais o êxtase que os seus olhos.O cavalo, porém, me olhava e (parece) me enxergava.E assim, ficamos tão perto nos olhando, e, no entretanto, as infinitas distâncias, sei que jamais o enxergaria. E ele, o cavalo, quem sabe, pudesse, realmente, me enxergar, como eu mesmo, jamais me veria.
Os objetivos são comuns, da psicanálise e da literatura a compreensão do Outro, o resultado é o mesmo – o fracasso e no fracasso, o êxito – A ruptura do tabu – No Inicio era o Verbo - E no fim, na saga de “Afirma Pereira” de Tabucchí. A Palavra rompendo a representação de Zelig, O Kafkeano personagem de Woody Allen.No fecho , desfecho a intrigante pergunta que embuti no meu verso – “Por onde andará, oh Deus, minha sombra enlouquecida?”Não é matéria de literatura, não é discurso psicanalítico.Édipo cego ou Janus.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Palestra: Literatura Psicanalise


segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Livros - Jacob Pinheiro Goldberg


A Clave da Morte


A Mágica do Exílio


Cultura da Agressividade