quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Enterro Hebe Camargo - Jacob Pinheiro Goldberg e Maria Paula.


Diálogo entre o psicólogo e escritor Jacob Pinheiro Goldberg e a atriz, apresentadora e também escritora Maria Paula durante o enterro do corpo de Hebe Camargo no cemitério Gethsemani, em São Paulo.


Jacob Pinheiro Goldberg — Hoje, mais uma vez, nós estivemos juntos num momento histórico. E foi por uma disposição íntima que nós dois resolvemos estar ali no enterro da Hebe Camargo como testemunhas, porque no fundo eu não dou nenhuma importância para enterro. Acho que o enterro é um dos rituais da sociedade que em si não tem muito significado. Porém, quando vi você ali e percebi como você estava em comoção e compenetrada, percebi como você estava consciente da importância dessa performance histórica. De estar ali, enterrando alguém que foi um ícone da televisão brasileira, assumindo um juramento com você mesma. E diante daquela multidão que olhava para você, porque a multidão lhe cravava os olhos, um pacto solene de usar a mídia de maneira consciente para uma transformação radical da maneira de enxergar o desamparo, a miséria, a pobreza material, psíquica e espiritual do ser humano, dessa gente humilde que sai correndo atrás, seja de Ayrton Senna, Hebe Camargo, Tancredo Neves... Daqueles que são os heróis do seu panteão na subjetividade, no imaginário e no simbólico, e desviam o olhar para você, Maria Paula. Naquele momento, pareceu que você estava colocando um manto sobre os próprios ombros. É como se fosse um cerimonial a devir.
Maria Paula — Estou espantada com sua forma de decodificar signos que estavam presentes ali na minha Gestalt, na minha mente e até na minha energia. Senti que naquele momento eu estava, de alguma forma transcendente, recebendo a transmissão da linhagem da verdadeira apresentadora, da mulher pública que usa a comunicação para ampliar o universo do outro. Da mulher alegre, que traz para a vida do povo a leveza e a beleza, da amorosidade. A Hebe emprestava importância ao público: a medida que ela se relacionava de forma tão acolhedora, mesmo com a pessoa mais humilde. A Hebe dava importância a qualquer pessoa que estivesse à sua frente e a pessoa passava a se achar importante a partir disso. Melhor, a pessoa tinha compreensão da sua própria importância através do olhar generoso da Hebe. No momento em que baixaram o caixão dessa mulher extraordinária, senti vontade de me espelhar nela e, de como ela, oferecer minha alma ao público.
JP: A palavra entusiasmo, etimologicamente, tem origem no grego e significa “um Deus que habita o indivíduo”. Eu acredito que nós somos o resultado dos nossos para o futuro. Hoje, no cemitério, vi uma Maria Paula pronta para ressuscitar o entusiasmo da Hebe na telinha, na telona, nos palcos e nas paginas desse nosso país.
MP: Nossa Jacob, eu apenas uso a minha imagem à medida em que as oportunidades se apresentam. Nunca planejei, de forma estratégica, os rumos que minha carreira iriam tomar. Minha carreira se construiu quase que de improviso.
JP: Muito inspirado você falar em improviso, porque o improviso faz parte da arquitetura filosófica do anarquismo, que estou convencido de que é a última trincheira da liberdade que resta ao ser humano em termos de resistência. O improviso está ligado ao ato criador que parte de nós mesmos, e o humor é uma das formas políticas que mais dá permissão para a alegria que joga com a desmistificação da hipocrisia dos valores do status quo. Durante muito tempo, você tem representado no humor brasileiro essa manifestação de liberdade que se soma ao esforço da emancipação feminina. Você, Leila Diniz e a grande Hebe Camargo.
MP: Fico até emocionada em ouvir essa sua reflexão, pois Leila Diniz e Hebe Camargo estão no topo da minha pirâmide de influências. Estejam elas onde estiverem.