terça-feira, 31 de julho de 2012

Um namorado para Sabrina

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Revista Trip para mulher.


Entrevista com Jacob Goldberg

O que faz um casamento feliz e duradouro hoje em dia? Estamos livres de antigos padrões?

O psicanalista, e feminista, Jacob Pinheiro Goldberg dá seu parecer.

Você já experimentou se ajoelhar antes de dormir para fazer uma oração para a Deusa que está no céu? 

Para nós, reles mortais criadas majoritariamente sob a ideologia cristã, soa estranho usar a terminação feminina para evocar o Onipresente.

 Mas o consagrado psicanalista Dr. Jacob Pinheiro Goldberg acha natural que Adão tenha sido gerado no útero de Eva, e não Eva da costela dele, como reza a Bíblia.

 Em 1998, o psicólogo causou polêmica na conferência “Eva Será Deus” apresentada em Londres para intelectuais e cientistas de diversas nacionalidades.

Jacob é firme ao dizer que os casamentos atuais ainda seguem modelos machistas e discute o uso da palavra traição. Defende que a revolução feminista, que ainda não aconteceu, é a única maneira de mudar essa realidade.

O que leva as mulheres a se casarem hoje?

A ideia de um companheiro ou pai ainda é, e provavelmente sempre será, a prioridade. O segundo fator é o conceito romântico de amor. Outra constante é a tentativa de fuga da promiscuidade, do risco de vários parceiros. E, infelizmente, a mulher ainda tem jornada dupla de trabalho. Então, se ela encontra um parceiro capaz de dividir as responsabilidades, tem a vida facilitada. Mesmo a mulher autônoma ainda é submetida a uma pressão machista, violenta e cruel da sociedade. A mulher solitária é vista com desdém, com rejeição e suspeita. Por muitas vezes, ela procura o reconhecimento da sociedade através do casamento, que funciona como uma apólice de seguro. Arrisco-me a dizer, num cálculo arbitrário, que entre 70% e 80% das mulheres se casam por uma dessas razões. Ou ainda por aflição ou desespero.

Um homem de 50 anos, solteiro, é visto como bom partido...

Não como bom, mas ótimo partido. Em geral, está numa situação econômica melhor, tem experiência. E se o homem for feio pode ter charme. A mulher feia sofre preconceitos da manipulação masculina. Esse discurso e essa mentira de que houve transformações radicais nas relações são estatisticamente desprezíveis. A intelectualidade brasileira tem uma atitude hipócrita, a mulher fica vaidosa: “Hoje eu estou mais liberada”. Entra na jogada masculina e é explorada. Para casar, o homem é mais difícil, cobra o preço da submissão, inclusive nos pequenos grupos chamados da elite sociocultural.

Como essa submissão se manifesta?

Eu vejo isso dentro da minha casa. Tenho um filho do primeiro casamento que tem 40 anos. E um de 17, um de 16 e uma de 12. Eles circulam nos meios considerados socialmente privilegiados, mas eu percebo que meus filhos vão com mais trânsito para as baladas do que ela e as amigas. O discurso aparente delas é de liberdade. Mas não é verdade, elas se sentem mais à vontade quando acompanhadas pelos meninos. A própria paquera delas vem com uma carga de aflição. É como se precisasse exibir o troféu do amor conquistado, enquanto os meninos têm uma atitude quase de superioridade. Em vez de a mulher criar um modelo próprio, revolucionário, algumas acabam acompanhando esses modelos masculinos, superados, grosseiros.

Tenho a impressão de que se criaram modelos diferentes de casamentos, mesmo com pequena parte da sociedade. É só uma impressão?

É só uma impressão. Há poucos anos recebi um holandês que disse estar aborrecido porque a mulher estava tendo um caso com um terceiro. Eu, brasileiramente, o interrompi: “Então ela está cometendo adultério?”. Ele olhou para mim, perplexo: “Como assim? Ela tem todo o direito de amar outro homem. Estou é triste porque gostaria de ajudá-la”. Ouvindo aquilo tive a consciência de quanto isso é estranho para nós. Como vamos falar em casamento aberto no Brasil? Só como piada. Só para o homem. Ai da coitada da mulher que tiver coragem de revelar para o marido que está apaixonada, tendo um caso. Agora, se for o contrário, o sujeito ainda é capaz de exigir compreensão, “dá um tempo, é uma fase que eu estou passando”.

É possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo?

Absolutamente possível.

O ser humano é poligâmico essencialmente?



Acho que não existe uma resposta genética, e sim cultural: nós somos contraditórios. As pessoas exigem uma inteireza idealizada. Isso causa dor por causa da culpa. O conceito de lealdade, de traição, é um conflito que pelo menos para a alma latina não está resolvido. Todo mundo que conheço, todos os meus pacientes, principalmente os homens, quer lealdade de seu parceiro. Mas se reserva o direito de pular a cerca.

Há neles uma consciência de que o outro pode estar fazendo o mesmo?

Na ordem dos fatores é assim: “Eu preferiria que fosse leal, mas se tiver que ser corno, pelo amor de Deus, que eu não saiba. Se, na pior das desgraças, eu ficar sabendo, que pelo menos a minha mamãe não fique”.

Teria outra maneira de encarar a traição?

Só existe traição quando há a intencionalidade e a perversidade de impingir ao outro sofrimento. Se você está no cinema de mãozinha dada com seu parceiro e roça o braço no cidadão à sua esquerda só para que seu parceiro fique com ciúme, é traição. Agora, se você ama seu parceiro e ele foi fazer um curso no Canadá, você saiu uma noite, se excitou sexualmente, nem se lembrou dele, não teve a intenção de trair. Pelo contrário.

Nesse caso seria uma questão de respeito não contar?

Exatamente. É um limite de censura que a sociedade e a nossa cultura impõem e você faz até por delicadeza. Muitas vezes também eu percebo um drama: “Eu gostaria de ser autêntico”. Autêntico ou impiedoso?

Fundamental é mesmo o amor ou é possível ser feliz sozinha?

O destino do ser humano é solitário. As relações humanas são importantes, mas circunstanciais. Você de mãos dadas, beijando a boca, no meio de uma “transa”, fecha os olhos e vem uma fantasia erótica com outra pessoa. Nós sempre pretendemos um diálogo, mas estamos sempre num monólogo.

Hoje homens e mulheres têm mais liberdade para sair sozinhos. Isso pode fazer o casamento durar mais? 

A mulher está dando mais espaço para o homem, até para tentar manter o casamento. O homem, mesmo sendo leal à mulher, se permite um trânsito social que ela não se permite. Andar sozinho a partir de certa hora, por exemplo. Ir a um bar à noite e sozinha. Se fizer isso, ela vai ser assediada grosseiramente. E você vai dizer: “Não nos permitimos porque não queremos”. Não, vocês não foram educadas para ter essa demanda. Mas não estamos condenados a viver permanentemente assim. Felizmente hoje existe muito mais liberdade do que nas gerações anteriores. Minha filha é uma mulher mais independente do que minha mãe foi. Mas não podemos ficar num processo masturbatório de autocongratulação, “já conseguimos”. Não, não conseguimos ainda.

O IBGE aponta que 72% das separações judiciais são iniciativa da mulher. Somos nós que queremos casar e nós que terminamos. Por que as decisões parecem mais fáceis para a mulher?

Como ela foi levada a se casar por causa das circunstâncias, quando fica insuportável ela sai do casamento. Para não ficar doente e não morrer. Tanto é que a incidência de câncer no útero, na mama, é em proporções absurdas. Isso não é uma coincidência. Por que a mulher é atingida nas suas zonas que representam a feminilidade? É a dor e a tristeza que caracterizam essa condição. 

O que faz uma relação durar?

Quanto menos amor, mais possibilidade de ser madura. Essa ideia do amor tem certa pieguice neurótica, herança da dama e do cavalheiro da Idade Média. O homem e a mulher, cada vez mais, precisam ser amigos e companheiros para enfrentar a realidade agreste que é o sofrimento das contingências humanas. Não por pacto, por compromisso, por instituição religiosa ou convicção social.

Esta história de casamento em casas separadas é válido?

Morar na mesma casa é intimidade — quando você faz livremente essa opção. Mas a maioria das pessoas quer morar junto por razões de condomínio. Os muito ricos, em geral, têm duas casas. Os muito pobres têm seus quartos, suas separações e ficam transitando. Na minha casa, quando vem trabalhar uma pessoa como empregada doméstica, uma das perguntas que a gente faz é: “Você tem namorado, noivo ou marido?”. E a moça diz “não”. Isso na terça-feira. No sábado ela fala: “Hoje eu tenho que sair mais cedo para encontrar meu noivo. Conheci um sujeito no supermercado e a gente ficou noivo”. Ela tem menos exigências, menos demandas neuróticas, e por isso é mais livre. Mais presa é a classe média, que tem a ambição de subir e o pânico de descer. Ela se agarra no marido, na mulher, porque mal dá para ter dois automóveis, imagina dois apartamentos...

É hipocrisia, ingenuidade ou nada disso achar que dá para viver um longo casamento sem traição?

É frequente que seja por covardia. Medo de ser pego e das consequências que possam advir. Nessa hipótese entra uma dose de hipocrisia. Às vezes há ingenuidade diante da vida, uma dificuldade de ter manha de fazer sem ser pego. E às vezes é uma respeitável decisão. A pessoa gosta da outra e se basta. Outra mentira é a ideia da necessidade de ter casos.

As pessoas querem amar ou se apaixonar?

Colocando em termos prioritários: primeiro, querem ser amadas; depois, querem se apaixonar; terceiro, elas não querem se apaixonar porque têm medo de sofrerem. Estamos no território das contradições. Em quarto lugar, querem amar. E durma-se com um barulho desses.

Entrevista concedida para a Revista Trip para mulher.

Entrevistadora: Ariane Abdallah

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Sociedade anestesiada Revista "E" Sesc

                                       SOCIEDADE ANESTESIADA
                                                                                           Por Jacob Pinheiro Goldberg

Remediando a vida. Expressão quase folclórica que exprime uma concepção catastrófica do mundo. A utopia de um mundo sem dor, sem sofrimento, acompanha a civilização desde a consciência do que a dor e o sofrimento sempre provocaram no ser humano e de que culminam na doença e na morte. A tanatofobia com os horrores da fantasia da finitude, a solidão, a perda dos entes queridos, a ameaça insuportável da loucura povoaram a mente do indivíduo a partir do instinto de sobrevivência da espécie.



De alguma maneira se pode fazer a narrativa dos esforços da arte, da cultura, da ciência, como a luta contra o estresse, o desconforto da existência, o mal-estar da castração. Em contrapartida, a vontade de exuberância, da alegria, do estado de bem-estar no gozo do êxtase e da felicidade implicam um trabalho constante que, através da medicina, das ciências da saúde, da indústria farmacêutica, da psicologia, acabou por estabelecer um consenso de superação da dor, por recursos os mais variados.



Cicatrizar as frustrações inevitáveis que marcam os limites de nosso corpo e de nossa mente, anestesiar as reações aos estímulos que a natureza impõe, feiura, deficiência intelectual e corporal, acidentes malignos, genética deficitária – enfim o rol das dificuldades do concreto, do real, do objetivo se transformou numa corrida de obstáculos que permeabiliza nosso cotidiano.



Comprimidos para enganar a tristeza, sob o diagnóstico da depressão, para frear a vitalidade, sob o diagnóstico que substitui a exuberância pela hiperatividade. Se espraiando por todos os ângulos, medidas, enquadramentos possíveis e imagináveis. A obesidade, doença física ou psíquica a ser tratada e corrigida, e até problema ético de caráter (personalidade desidiosa ou fraca); a magreza, idem. A timidez ou contenção, como sintoma introspectivo suspeito, a extroversão como proximidade da transgressão, merecendo a atenção médica e, eventualmente, policial.



Sem respeito à faixa etária ou condição social. Na infância, a desatenção na escola, distúrbio ou transtorno, a adolescência com sua agitação e insegurança, ela mesma vista como “aborrecência”, um certo desajuste na probabilística certeira de moléstia contagiosa (o barulho, a efervescência, o “esquenta”).



A insônia estimulada por dificuldades autênticas, exigindo soníferos que, por sinal, segundo a revista científica BMJ Open [revista online de acesso público ligado ao British Medical Journal], triplicam o risco de morte e de o “paciente” desenvolver câncer. Aliás, já escrevi em O Direito no Divã (Saraiva, 2011) que a nomenclatura correta deveria ser “impaciente” e o profissional apurar a sua “paciência” na inversão humanística do relacionamento.



Aldous Huxley, em As Portas da Percepção [livro de 1954, edição em português da Globo lançada em 2002], faz a apologia às drogas, lícitas ou ilícitas (segundo conflitos de entendimento legal); ele, que estava praticamente cego e buscava compensações e sublimação no fantasmático e no simbólico, acabou legitimando essa vida artificial para escamotear as quimeras que a poesia de Rimbaud, ele mesmo uma vítima do alcoolismo, genialmente definiu em metáfora belíssima: “Mas, não, chorei demais! Magoam-me as auroras. Todo sol é dolente e amargo todo luar”.



As questões essenciais de nossa vida ligadas ao sofrimento e à dor não podem e não devem ser reduzidas ao tremendo jogo de fortunas incalculáveis da indústria da ilusão medicamentosa. Indústria que inventa doenças e inventa curas para aquilo que segundo Goethe é “humano, demasiadamente humano”. Sofrer e lidar, chorar e rir, a emoção respeitada e não fiscalizada pelo “Big Brother” do superego pronto para qualificar o normal e o anormal segundo fundamentalismos pseudocientíficos.



O que, obviamente, não significa deixar de minorar a dor no horizonte da dignidade. A alienação como instrumento de subjetividade permite que o Eu se encontre com a Dor, na esperança que nos transcende.


“As questões essenciais de nossa vida ligadas ao sofrimento e à dor não podem e não devem ser reduzidas ao tremendo jogo de fortunas incalculáveis da indústria da ilusão medicamentosa. Indústria que inventa doenças e inventa curas para aquilo que segundo Goethe é ‘humano, demasiadamente humano’”



Jacob Pinheiro Goldberg é doutor em psicologia, psicanalista e escritor. É autor de Cultura da Agressividade (Landy, 2004), Mocinhos e Bandidos – Controle do Conteúdo Televisivo e Outros Temas (Lazuli/Sesc, 2005), Psicologia em Curta-Metragem (Novo Conceito, 2008), entre outros.




Amor ou interesse

Amor ou interesse

04/07/2012

Amor ou interesse?
(10/04/2011)
Pais e filhos: Relação de amor ou interesse?

(Artigo publicado na "Revista Família Cristã" - Ano 77 - Edição 904)

No histórico do desenvolvimento da condição humana se pretende que o interesse (etimologicamente inter esse, do latim, estar entre) deve ser sublimado para o amor.

O interesse compreendido como uma intenção de vantagem que pode ser legitima ou ilegítima.

O amor, este sentimento o mais espiritualizado das emoções, capaz de superar o egoísmo, cultivando o altruísmo.

A natureza proporciona desde a concepção um jogo complexo e sofisticado que marca a interação entre pais e filhos.

Já no útero da mamãe e nas etapas do desenvolvimento o nascituro, a criança, o adolescente e o adulto precisam da mãe e do pai, inicialmente para o nascimento, depois a sobrevivência e, paulatina e simultaneamente, o treino para a civilização.

Do ângulo dos pais a necessidade de projetar nos filhos o mistério e o milagre do mandamento: “crescei e multiplicai-vos”.
O magnífico sentido de transcendência e vida que os filhos devem perpetuar, superando o conflito de gerações até os rituais de passagem para a continuidade gratificante das heranças recebidas, metabolizadas e transformadoras.

É através da educação e do carinho que esta pauta de mão dupla precisa transitar.

Dando e recebendo, desinteressadamente. A virtude da oferta que muitas vezes roça e beira o sacrifício e que são traços determinantes de altitude do ser humano e que exigem dos pais o esquecimento de si mesmo, na superação dos limites, medos, preconceitos e dos filhos, mormente, a gratidão.

Infelizmente, de algumas décadas, as ultimas do século XX e hoje, contemporaneamente, esta cultura de milênios e que se ancora nos instintos mais naturais da espécie e nas tradições religiosas e princípios éticos, vem sendo substituída por outros parâmetros, quais sejam:

1- A desqualificação da autoridade dos pais em nome de uma emancipação dos jovens, despreparados para o mister responsável da existência.

2- A inversão de papeis, provocando angustia e culpa em ambos elos da cadeia sentimental – pais e filhos se chocando e se distanciando, diante de crises que derrubam todo o qualquer freio de Superego.

3- O despreparo para enfrentar o consumismo desenfreado levando a filhos mercadejando o amor, em troca de recursos materiais. “Estudo se ganhar um automóvel”. “Meu pai me oferece férias no Guarujá e você na Praia Grande”. “Minha mãe deixa que eu vá à balada, beba, fume e você é careta”.
Se instaura uma espécie de leilão de trocas afetivas que vai contaminar o que de mais elevado e sagrado deve existir entre pais e filhos: o pacto da entrega, sem expectativa de paga.

É preciso notar o exemplo maligno que a mídia comercializada vulgariza neste campo: o uso de crianças e jovens como camelôs de afeto – concurso de beijos prolongados, o corpo feminino como vitrine de desejo, a competição da malícia e da esperteza no lugar da cultura e da inteligência.

O cúmulo destas trocas de vantagens são programas de TV em que se intercambiam pais, como se fossem dramas de aluguel, personagens de amor por temporada, e isto, em nome de uma didática de compreensão.
Educar e preparar os filhos implica em se autodisciplinar para o amor e a dedicação que não estão à venda, nem no varejo e nem no atacado.

É na dimensão do amor que pais e filhos podem mudar o significado da vida, emprestando sentido a jornada que é missão e não um “Shopping Center” de falta de caráter e oportunismo.

Jacob Pinheiro Goldberg é psicólogo (Universidade Católica de Santos), doutor em psicologia (Mackenzie), escritor, autor entre outros livros de “O Direito no divã” (Ed. Saraiva).

Politicamente correto

Politicamente correto

05/07/2012

Politicamente correto
(Jacob Pinheiro Goldberg)
A partir do início do século XX, fica evidente que a luta pelo poder nacional, sindical, religioso, mundial, toma características de uma violência sem precedentes, na história. Entender a ânsia do homem pela força e a potência, pode servir como elemento de desmistificação. Como é que se processam os mecanismos de ansiedade dentro do indivíduo e se projetam na sociedade, com o objetivo de dominar o outro? O sadismo - o exercício sobre o outro “eu”, de tal maneira que proporciona prazer, através do controle da mente, do físico e do intelectual, tornou-se uma constante emocional, nos jogos das interações humanas. Matar, torturar, manipular. Eis verbos fáceis que Hitler e Mussolini souberam tornar populares. Obviamente, isto só pode acontecer como fruto de fenômenos econômicos e políticos de tremenda envergadura, dentre os quais um dos mais consequentes foi a proliferação dos instrumentos de comunicação e cultura de massa.
Sem rádio, a TV, o jornal, a Internet, não se pode compreender o ditador moderno. Mas, de outro lado, estamos cogitando de uma realidade profunda do mundo subjetivo de cada um. Sem a cumplicidade e a omissão não se estabelece o poder ilimitado. Na citação de Max Weber: “Potência - macht - significa toda oportunidade de impor a sua própria vontade, no interior de uma relação social, até mesmo contra resistências, pouco importando em que repouse tal oportunidade”.
O crescimento monstruoso desta realidade penetra hoje em nossas vidas, das maneiras mais grosseiras e sutis. Desde o controle de nossa atividade acadêmica até de nossos mais recônditos pensamentos e desejos. O pesadelo antevisto por Georges Orwell em “1984” está se realizando.
Qual a alternativa viável para o prosseguimento desta ânsia de controle que acabará desencadeando a guerra nuclear, com a destruição da civilização? Os homens se acostumam depressa demais à obediência. Na Polis grega a vida pública é caracterizada pela discussão. O diálogo entre a criança e o adulto, a mulher e o homem, o branco e o negro, o sim e o não, constitui a última fronteira contra o Leviatã ameaçador, cuja vontade de reduzir o cidadão ao autômato e a cultura a uma noção de “defesa e proteção”, e não de “Liberdade e expansão”. O crescimento, demográfico e institucional, das forças de produção e dos módulos de controle da informação, obrigatoriamente, acarreta a diminuição do espaço para o trânsito individual?
Em “A Terceira Onda”, Alvin Toffler procura adivinhar a saída honrosa de uma alternativa humanista e comunitária. De uma ou outra maneira, esta preocupação se casa com a sobrevivência da dignidade da espécie. O nosso século viu a tortura ser incluída no Dicionário político e jurídico, de quase todas as nações.
O genocídio e o racismo são as garras vulgares da massificação e ânsia de força, que integram num só domínio o fabricante de armas e o desestabilizador social, o terrorista enlouquecido que mata John Lennon e o funcionário burocrático que manipula estatísticas para provar o que não pode ser provado: que a miséria é sadia, que a falta de condições mínimas de vida é uma imposição dos “tempos...”.
O poder não pode e não deve divorciar-se de sua única fonte de legitimação, que é expressa democrática e soberanamente, pelo povo, só podendo ser exercido em seu nome.
Quando foge deste batismo original, torna-se o braço da opressão, na mentalidade do horror. Numa escala provinciana ou em escala nacional, dentro da família ou nos grandes conglomerados urbanos, o poder, outrossim, precisa estar sempre exposto ao juízo da crítica e da autocrítica, bem como limitado pelas sanções da moral coletiva, sem o que, tende para a redundância totalitária. A saga da resistência teve um “clímax” no filme “Z” de Costa Gavras, na greve de fome de Sakharov ou no suplício anônimo das fétidas prisões deste planeta atormentado. O “anticlímax” se determina pela objeção de consciência que furta ao tirano a glória do ganho. Uma espécie de“proibido proibir”, em sermão libertário e fraterno.

Um Filme anticristão

Um filme anticristão

05/07/2012

Um filme anticristão
Artigo - JACOB PINHEIRO GOLDBERG
Folha de S. Paulo
O filme "A Paixão de Cristo" tem conteúdo anti-semita?
SIM
Acho desnecessário, pela obviedade, provar que o filme é anti-semita, digno de Mel Gibson, que se afirmou orgulhoso do pai, que negou o Holocausto. Mas é oportuno provar seu anticristianismo agressivo.
Trata-se da versão hollywoodiana da maior contrafacção política e ideológica da história, a inteligente e hábil manobra de atribuir aos judeus a culpa da condenação de Jesus à morte. Como essa fórmula primária, que qualquer criminalista seria capaz de desmistificar, tem resistido a estudos e análises?
Em primeiro lugar, explica-se pelo anti-semitismo disseminado pelos cultores da nova religião, interessada em bloquear as fronteiras com sua fonte originária. Em segundo lugar, a uma natural e apaixonada resistência judaica, indignada diante do apoderamento de seu filho, transformado, contra sua vontade, em instrumento de ódio e perseguição. Em abono desta tese poderíamos transcrever inúmeras passagens do Novo Testamento. Inútil. Ou o leitor percebe que, numa vida de 30 e poucos anos, Jesus dedicou todos os seus momentos conhecidos à tarefa do estudo da Torá e dos preceitos religiosos do judaísmo, como antes e depois fizeram milhares de rabinos e eruditos pregadores, ou escolhe a via tortuosa do sadomasoquismo anti-semita, que se prende ao drama arquitetado pelos dominadores romanos nas suas últimas horas.
Na verdade, na figura de Jesus, foi crucificado na época o espírito de insurreição religiosa e política de Israel, provavelmente com a cumplicidade de alguns elementos engajados com o conquistador. Nos dois milênios que se sucederam, os judeus têm sido castigados pela trágica herança de haverem concebido um filho mágico e dileto, de espírito universalmente aberto. Provavelmente, uma das grandes horas da história será o instante da reversão da dinâmica de Jesus. De seus versículos proferidos, de todas as passagens vividas por Jesus, Yeoshua bem Yossef, transpira sua apaixonada adesão ao judaísmo, seu entranhado amor ao seu povo e sua mensagem de libertação.
O processo de seu deslocamento começa no desenvolvimento produzido por Pilatos, a reconciliação e o reconhecimento de sua função como judeu, o apagar do tônus anti-semita, que procura retratá-lo como estranho ao seu povo, a final trama desmentida pelo senso comum de seu papel, como messias para os cristãos, como filho querido para os judeus. Quem instruiu, magistralmente, a necessidade dessa revisão foi o poeta libanês Khalil Gibran, no seu diálogo entre Jesus de Nazaré e Jesus dos cristãos, que, segundo ele, ainda não tinham conseguido se conciliar. Fonte histórica de Jesus, o judaísmo perdeu para o cristianismo institucionalizado seu poder político e social, que permitiu à nova religião dar o tônus da civilização ocidental.
No entanto, nas últimas décadas, e destacando-se o pensamento de figuras como João 23, Tomas Merton e Jacques Maritain, acentua-se um processo de judaização do pensamento cristão de algumas áreas mais esclarecidas. Do lado judaico, tal inclinação se adivinha na análise de Jesus feita por Joseph Klausner. No estudo "A Morte de Deus e o Futuro da Teologia", Gallagher afirma que devemos nos rejubilar "não por qualquer coisa que é, mas por aquele que virá". Dificilmente a noção judaica do messias poderia ter uma melhor categorização do que esta.
Na medida em que o cristianismo passa pelo mergulho introspectivo do abandono das imagens greco-romanas e penetra no "pathos" e no "ethos" de Jesus, o rabi judeu, a mansidão e o amor à vida se irão contrapor ao martírio da paranoia. Obviamente, a dialética de uma crise de consciência e revisão totalizante desse alcance não se fará suavemente, eis que vai abalar toda a teologia do sofrimento - interno e externo, expresso na mecânica da agressividade- das cruzadas, do ódio ao prazer, da tendência à abstinência, do conceito brutal de salvação de todo o gênero humano e, finalmente, da própria concepção da estrutura religiosa como instituição.
Talvez este será o mais formidável paradoxo da história: vencidos os bloqueios psicológicos, o anti-semitismo terá ensejado a mea culpa, que conduzirá a elite do pensamento filosófico cristão à aceitação do judaísmo. Porque nesse jogo, como na vida, quem perde ganha. Não se pode esquecer de que a cruz era um suplício romano, não um instrumento da justiça judaica. Jesus foi executado pelos romanos, na missão de dominação política, como agitador. A acusação ao judeu de ser o assassino de Cristo foi uma lenda divulgada pela propaganda romana, na Diáspora.
Depois dos Manuscritos do Mar Morto, estudar Jesus não é tarefa para a construção da desavença. Judeu, estudei no Instituto Grambery, Colégio Metodista, em Juiz de Fora, onde nasci. Lá começou a revelação, para mim, de que Jesus não morreu -ao contrário do que imagina Gibson. Ele vive com os cancerosos, os miseráveis, os abandonados, órfãos e viúvas. Mas também na alegria, na esperança, na fé. Sente-se a paixão de Jesus no silêncio, na introspecção do seu sacrifício. Na vitória da vida sobre a morte, do amor sobre a raiva. O filme de Gibson é a recrucificação de Jesus por US$ 200 milhões.
Jacob Pinheiro Goldberg, psicanalista, é doutor em psicologia pela Universidade Mackenzie e professor convidado pela Uniwersytet Jagiellonski (Cracóvia, Polônia).