sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O Jurista Mario Simas e Dr Jacob Pinheiro trocam correspondência, sobre a ditadura.

SIMAS.
Durante nosso jantar (você, Taveira, Carlos, Suzana e eu) acabei ouvindo e dizendo “causos” de nossas vidas, e você usou no decurso a expressão “encontros e desencontros” que me é particularmente tocante. Via Martim Buber.
Na conversa rolando, e depois remexendo no terreno arenoso de nossas memórias, surgiu por fato presente um sentimento que você sugeriu que documentássemos ao modelo do mestre Sobral Pinto (que, por sinal me orgulho do feito que historiei em “O Direito no divã”). Cartas testemunhos.
Depois de agitadíssima atuação estudantil de esquerda como vice-presidente do D.A do Granbery e na U.N.E.S, em Juiz de Fora, com Tibério Gadelha, e Paulo Lenz (“A Tarde” e PSB), fui servir ao N.P.O. R
 (12º R.I). Tinha que lidar com burros e cavalos. Infantaria hipo-móvel. 
Foi um ano infernal de hostilidade por parte dos oficiais. Transferi-me para São Paulo (CPOR). Como todo “imigrado” ainda mais judeu, acolhimento entre gelado e desconfiado dos alunos “mauricinhos”. Você então com a sensibilidade e espírito de cristão essênio, tão cedo forjado, tomou-me sob sua proteção. Apelidou-me de “mineiro” abrasileirando carinhosamente minha identidade.
Foi um ano suportável. O tempo passa. Integro-me ao grupo nacionalista de esquerda, “O petróleo é nosso”, “O Semanario” do Oswaldo Costa, faço dobradinha a deputado com Dagoberto Salles na “Frente Nacionalista”, coordeno o Comitê de General Stoll Nogueira em favor de Lott na militância com Ulisses Guimarães e Jose Maria Crispim, vou servir (não em ordem cronológica) no 12º R.I
Quando da seleção para continuar como oficial da ativa não sou classificado.
Então  coronel Euryale de Jesus Zerbini me chama ao gabinete: “Pinheiro, eu quero que você continue. Qual a sua formação academica?”. “Além de Direito curso Serviço Social na PUC”. “Preciso de um oficial de Serviço Social com sua mentalidade magressista.” Surge meu T.C.C. “Serviço Social no Exercito brasileiro”.
sob a supervisão de José Pinheiro Cortez do universo que habitei em muitas latitudes com Ulysses, Tancredo, mantoro, Covas Arco na minha formação indeo-cristã. Acumulo um tempo com o comando da 1º Cia de fuzileiros. Numa sessão de supervisão Cortez e eu contemos as lágrimas quando descrevo a situação de soldados miseráveis afastados das famílias e perdendo um ano de vida em manobras estúpidas. No T.C. C proponho laborterapia no xadrez do quartel e desenvolvo a fórmula humanizada do S.S para o Exercito.
Na banca examinadora na PUC. Zerbini comenta: “Fiquei em duvida entre prender o Pinheiro ou dar-lhe nota dez”. Rindo confirma o dez.
A vida gira. No velório de Ayrton Senna, com quem criei o “Seninha”, no café da manhã no “Maksoud Plaza” Brizola endereça, por mim, abraço a Terezinha Zerbini que indicara meu nome como candidato a senador pelo PDT, pelo movimento negro e feminino do partido. No discurso assinalo minha perspectiva independente anarco-socialista.  Diante dos cambalachos partidários desisto da pré- candidatura. Na “Folha”, numa polemica Terezinha se solidariza com minha posição, “mater ET magistra”. Os ponteiros do relógio do Cosmo, em desabalada correria. Numa reunião no quartel do CPORSP se discute a eleição para orador da turma no aniversario da formatura. A sombra do terror paira, sob a cruel ditadura. Atrevo – me a sugerir o nome do advogado dos perseguidos: ”Dr. Mario Simas, eminente jurista”. O discurso seria submetido a censura prévia. Mario destemido em voz alta:”Meu comandante é Dom Paulo Evaristo Arns”. Estou diante de um “justo” da lenda bíblica.
Hoje fiquei sabendo que a filha do General Zerbini em depoimento afirmou ter sido estuprada quando visitava Dra. Terezinha por monstros fardados.
Mario você que encarou um desses e disse: ”Esse não é meu exercito” e o sujeito respondeu “São dois exércitos. O “seu e o meu.” Diálogo histórico: de um lado a decência corajosa de outro o crime maquiado de patriotismo. Muito mais, muito mais para refletir. Mas, pelo menos isso: Você não acha que o Exercito deveria pedir desculpas à nação pela ação e omissão, e talvez, reprogramar-se como a Alemanha depois de Hitler para uma educação, autenticamente republicana e democrática de seus quadros: a retidão, humanismo e amor ao próximo de Zerbini como instrumento modelar duma espada em justiça? Um Exercito a serviço da cidadania e não da oligarquia?
a)      “Mineiro”

jacob pinheiro goldberg.







Estimado Jacob:
Somente agora, em decorrência de minha limitação visual, encontrei condições para comentar o seu texto a respeito dos encontros e desencontros durante nossa trajetória de vida.
De plano faço uma observação na tocante a minha afirmativa de que Dom Paulo Evaristo Cardeal Arns era então meu comandante no concermente ao ideal libertário e á ação de atos concretos em favor do respeito a dignidade da pessoa humana. O episodio ocorreu nas dependências do quartel do C.P.O.R., por volta de julho a agosto de 1981, quando das tratativas para a comemoração do 25º ano do nosso aniversario de formatura naquela casa de ensino militar.
Aponto também, que conheci a Dra. Therezinha Zerbini quando ela foi envolvida em um processo criminal de cunho essencialmente político, perante a 2ª auditoria de Exercito, com Frei Tito de Alencar Lima e o dono do sitio da cidade de Ibiúna, onde aconteceu o grande congresso da Une, que resultou na prisão de aproximadamente de 800 estudantes, oriundos dos diversos pontos do Brasil. Manteve ela uma postura positiva, independente e elogiável durante toda a sessão do julgamento.
Therezinha Zerbini foi quem deu o primeiro brado pela anistia dos presos políticos. É figura de grande destaque de nossa historia.
Por derradeiro, registro com orgulho a nossa luta comum contra a tortura, método hediondo que foi institucionalizado pela ditadura, para obter “confissões” e delações nas pessoas que ousaram enfrentar o despotismo que assolou a nossa pátria durante 21 anos. A tortura desonrou e manchou o sentido de brasilidade que caracteriza a nossa gente.
Prezado colega e companheiro aqui fica o meu abraço seguro de que ainda teremos mais encontros e desencontros, pois assim é a vida.
Mario Simas.