quarta-feira, 3 de março de 2010

"Goldberg em Portugal"

As Artes Entre As Letras
Porto – Portugal
27/01/2010

Literatura
Jacob Pinheiro Goldberg
A poesia como fonte de vida

Jorge Sanglard
Jornalista e pesquisador brasileiro

A solidão e o estranhamento, tanto existencial quanto geográfico, permeiam a poesia de Jacob Pinheiro Goldberg. Ora um choque cultural intenso, ora um ímpeto de comunicação e diálogo. “Espécie de errância interior, trajetória de vida contada e recontada em muitos poemas e textos, a poesia de Jacob Pinheiro Goldberg pode ser descrita como a de uma vida singular tornada estranhos poemas ou poemas-vida”; assim, Marília Librandi Rocha abre-alas para a compreensão de uma obra inquietante. E ao partir desta vertente, para organizar a antologia Poemas-Vida (7Letras), a doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP e professora de Literatura Brasileira na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, articulou um livro que revela a força de um escritor desterritorializado.
Nascido em Juiz de Fora e radicado em São Paulo há mais de 50 anos, o renomado psicanalista faz da escrita e da poesia a busca de uma expressão de vida. Em constante processo de criação, a fronteira é a pátria de Jacob Pinheiro Goldberg, a esquina, sua peregrinação. Admirador confesso da obra de outro poeta mineiro e juizforano, Murilo Mendes (1901 – 1975), como um outsider, Goldberg tem instigado o debate de idéias, a reflexão e, com isso, provocado muita polêmica. O “psicólogo da poética”, nas palavras de Sandra Magalhães, investe na construção de seus poemas como um desafio de revirar o passado e apontar para o futuro.
É assim também que o lugar da escrita de Jacob Goldberg na literatura brasileira é, até hoje, a de um estrangeiro em terra estranha ou ignota, afirma Marília Librandi ao apresentar a antologia. E essa questão implicou em que a organizadora do livro ficasse numa posição lateral para pensar a respeito de produções singulares e que historicamente ficam à sombra. Afinal, “sem território, essa poesia ficou de fora – exilada dos leitores – sem lugar nem na literatura brasileira nem na literatura brasileira de expressão judaica, que nos últimos anos começou a ser melhor estudada e definida”. E Marília Librandi explica: “Goldberg não pertence a nenhuma delas, mas situa-se em um entre-lugar, ‘pequeno intervalo hipotético’. Diríamos assim que as principais linhas de força de sua poesia correspondem às suas principais linhas de fuga”. Não é à toa que o autor afirma em vários de seus escritos: “Eu não sou daqui”, manifestando o caráter desterritorializado dessa escrita que encontra no deslocamento o seu canto.
Poemas-Vida deriva de um estudo realizado sobre a obra de Jacob Pinheiro Goldberg, defendido em 2003, como tese de doutorado de Marília Librandi Rocha na Universidade de São Paulo. Na ocasião, argumenta a pesquisadora, a antologia propunha-se como o fim da tese, no sentido de sua conclusão e finalidade, e era bem maior do que a presente, tendo em vista a necessidade de apresentar esse escritor, então praticamente desconhecido na Academia e entre o público das Letras.
Desde então, Goldberg assumiu seus próprios textos, antes guardados em gavetas ou publicados em pequenas edições de autor, e teve sua produção escrita reconhecida por um número significativo de leitores, dentre os quais, Henryk Siewierski, que traduziu 18 de seus poemas para o polonês, publicados na edição bilíngüe A Mágica do Exílio - Magia Wignania (Landy Editora, 2003). O poeta também publicou, em 2005, o livro Rua Halfeld, Ostroviec, onde mergulha na esquina imaginária entre a rua mais importante de Juiz de Fora, em Minas Gerais, no Brasil, e a cidade natal de seus pais na Polônia. Assim, a intenção da organizadora da antologia é apresentar o que chamamos genericamente a poética de Goldberg, nela abarcando o conjunto de textos compostos em forma de poesias, poemas em prosa e aforismos, coligidos a partir do livro Tempo Exilado, de 1968/69, e chegando até o mais recente, Rua Halfeld, Ostroviec, de 2005.
Marília Librandi partiu da leitura de cerca de 1200 trabalhos publicados nos livros de Goldberg (compreendendo uma produção escrita que inclui desde poemas longos, crônicas, artigos, até escritos de uma só frase ou poesias de um só verso), chegando a uma seleção que, segundo o ponto de vista da organizadora da antologia, corresponde, pois, a algumas das principais preocupações e tendências da escrita de Goldberg. A obra foi reunida em sete tópicos intitulados: “Parábola e ponto de fuga”, “O nem insólito”, “Sombra da sombra”, “A carne da memória”, “Bio(necro)grafia”, “Errância” e “Melitzá. Fragmentos poéticos”.
Inicialmente, a pesquisadora acreditava que os textos de Goldberg, desconhecidos no seu presente de produção, poderiam vir a ser recuperados e lidos num futuro, a exemplo de outros escritos marginais. Também pensava que se não fossem recolhidos a tempo poderiam perder-se, a exemplos de tantos outros cujos nomes e obras não registrados desaparecem. Decidiu então tomar conta dessa produção, “sem o anseio de salvação ou a noção de permanência”. Por isso, afirma, do mesmo modo que se arranca uma flor para dá-la a alguém, aqui arranca-se de sua estagnação e obscuridade esses textos para ofertá-los aos presentes no tempo presente.
Na opinião de João Adolfo Hansen, professor titular de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo, a matéria da poesia de Jacob Goldberg é essa desabitação, essa despossessão, esse estar não-estando de quem medita as perdas levado pelo vento do mundo. “Na sombra, à esquerda da linguagem, Goldberg escreve poesia com o sangue da experiência do real. É poesia elegíaca e trágica, uma lamentação que contra-efetua o acontecimento da dor, elaborando o sofrimento para resistir à destruição e à amargura do mal”.
Jacob sabe que nascer judeu ou palestino, índio ou espanhol é só acidente, pois o que realmente importa é o que fazemos com o que fizeram de nós, afirma Hansen. E explica: “Kafka, por exemplo, quis escrever como um vira-lata para apagar as marcas da Lei gravadas na pele. Jacob é dessa família de desgarrados magníficos que dizem non serviam, ‘não servirei’. Inconformado com a vida, revoltado com a morte, escreve sua poesia na fronteira do Paraguai com a Finlândia, aquele não-lugar onde as etnias, as nacionalidades, as religiões, as classes e os sexos finalmente foram abolidos e só sobrou a liberdade da descrença radical dos valores herdados. A liberdade de Jacob é livre, ou seja, generosa, e faz seus poemas espaçosos para recolherem compassivamente os cacos da história universal de um ‘nós’ despedaçado. São fortes, duros, intensos, sem nenhum consolo, comoventes. Podem até fazer desesperados pensar que, se ainda há homens como ele, há esperança para todos”.
E o próprio autor confessa: “a escrita é o exercício balanceado entre a onipotência do criador e a impotência da fragilidade do ser, proporcionando a simbiose entre o irreal e o acontecido”. A antologia Poemas-Vida é uma síntese da reflexão poética de Jacob Pinheiro Goldberg ao longo do tempo em meio à perplexidade, ao desafio, ao caos e à superação. É um compromisso de vida e um compromisso com a escrita. Enfim, é uma outra forma de se respirar.


Jacob Pinheiro Goldberg “observado” por
Murilo Mendes. Foto Dornelas

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