terça-feira, 19 de março de 2013

Garrafas ao Mar




“Garrafas ao mar”
                       

Palestra de Jacob Pinheiro Goldberg em diálogo com a professora Marília Librandi Rocha, Stanford University, EUA, autora da tese de doutoramento na USP “Parábola e Ponto de Fuga”: a obra poética de Jacob Pinheiro Goldberg e de “Carta Enviada”, também sobre a função literária de Goldberg.
16/08/2012

   Eu resolvi intitular esta aula para os alunos da Universidade de Stanford a convite da professora Marília Librandi Rocha, de Garrafas ao Mar. Todos sabemos o significado e o metafórico que existe nesse movimento de jogar uma mensagem ao mar. Voce joga para o mundo, para o desconhecido, para o acaso, para o incerto, para o insólito, para o não sabido quase com a certeza de que é uma mensagem que não tem um destinatário determinado. Essa aula é também uma resposta à tese de doutoramento da professora Marília Librandi Rocha, que fundamentalmente indaga a razão pela qual a minha obra de poesia não teve – pelo menos até a produção da tese de doutoramento dela – o reconhecimento da academia, da crítica literária e ela mesma se interroga, se indaga, até quando. Eu mesmo considerava uma obra que uma vez elaborada, tivesse uma destinação objetivada. Então, Garrafas ao Mar é uma síntese e uma introspecção que eu faço não só do meu trabalho de poesia ma, de certa maneira, da errática da minha própria vida, tanto profissional, quanto pessoal/sentimental, emoções, como psicanalista, como advogado, em ação, projeção e representação e, de alguma maneira, o desafio de responder à essa dúvida me levou a determinadas conjeturas, lendo um dos meus últimos livros, Rua Halfeld, Ostroviec. Eu começo pelo título: rua Halfeld é a rua principal da cidade onde eu nasci, Juiz de Fora, Minas Gerais. É uma rua quase mítica, por onde passaram grandes intelectuais brasileiros, poetas, escritores, políticos. Juiz de Fora sempre foi uma cidade fervilhante em termos de construção intelectual, artística. Ostroviec é a cidade de origem dos meus pais na Polônia. É Shtetl, uma pequena cidade, quase um gueto, aonde eles nasceram e viveram. Então, esse capítulo é uma intersecção. Quando o livro foi lançado aconteceu um fato muito curioso. Nós estávamos aqui no Brasil em um momento politicamente de grande significado histórico. Era um momento em que se desencadeava as discussões relacionadas, logo depois do término do mandato do presidente Collor, havia a CPI do PC Farias e eu havia participado do debate com os deputados Roberto Jeferson e José Dirceu, e o senador Eduardo Suplicy veio de Brasília para ler um dos poemas no lançamento do livro. E ele escolheu para ler um poema, um trabalho que eu escrevi a minha trajetória personalizada, individualizada, e eu usei a expressão “De Maria da fumaça” – que era um trem que saia de Juiz de Fora – até Picadilly Circus, uma conferência que eu fiz na Faculdade de Medicina da Universidade de Londres. Quer dizer, esse roteiro, esse percurso te muito do significado concreto deste redemoinho , que de alguma maneira, durante estas décadas, eu tenho palmilhado, tanto na construção artística da poesia como naquilo que eu chamaria de prosa, através da atuação seja como psicanalista ou advogado, seja em termos político-sociais através da mídia. E essa ideia da Maria fumaça é muito interessante porque veja bem, a muitos anos atrás o presidente Jucelino Kubitschek resolveu escolher o modelo automobilístico de transporte no Brasil. Com isso, ele encerrou um capítulo de grande significado no imaginário e no simbólico da realidade brasileira, que era a estrada de ferro, que estava entranhada na alma e nos arquétipos do povo brasileiro. A estrada de ferro cravada na terra, a Maria fumaça, o vagão, acompanhou por muitas gerações uma forma de estilo, de ser, de pensar, de contestar, maneiras de conflito da própria sociedade, o verdadeiro e autêntico romance da formação, praticamente de um século da história do Brasil, e foi desmontado, praticamente de uma hora pra outra com a inserção da indústria automobilística. Um pouco do que aconteceu entre o teatro e o cinema e que me levou a escrever um livro cujo título era Psicologia em curta metragem, no qual eu faço uma relação entre psicanálise e o cinema. Mas Rua Halfeld, Ostroviec, de alguma maneiram vai registrando essas respostas fragmentárias da poesia tal qual eu sempre a entendi, como uma tentativa de comunicação na incomunicabilidade da contingência humana. E eu acredito que boa parte dela reside em placas tectônicas da memória e da minha formação psíquica relacionadas com o Talmud, que eu fui capaz de estudar aqui em São Paulo com o rabino Mukatchia e que não tem a preocupação da linearidade, da lógica, ou  seja, num país que não lê poesia, numa época em que a poesia foi exilada, num mundo em que ela ficou sob suspeita, qual seria o sentido e que sentido teria a credencial de poeta? Nenhum. Como não tem mais sentido, depois da Segunda Guerra Mundial, nenhum sentido, objetivado, um consultório de psicanálise. Alguém que deita no divã, fala para que outrem escute. Isso é tão pouco passível d uma medida de resultado que não chega a nem ser pré-moderno, eu diria que chega a ser da era dos dinossauros, de uma Viena que terminou e aliás, terminou com um título de um livro e não por acaso eu fiz vários estudos acerca do autor, que foi Stefan Zweig, que eu acho  que foi o escritor que mais celebrou neste período de transição traumática, marcado pela Segunda Guerra Mundial. Esse escritor foi suicidado em Petrópolis e eu por acaso, então por acaso, mas como caso, fiz questão de levantar enquanto advogado, psicanalista e escritor a tese de que houve uma injunção para o suicídio, que foram as forças fascistas que predominavam no Brasil e sob a influência do eixo nazista que o levaram à morte. Acontecimento este que acabou se transformando num episódio polêmico da minha própria estória e por isso  caluniado, injuriado, por ter denunciado inclusive a passividade, e eu diria, cumplicidade de um representante, auto representante na verdade, da comunidade judaica no Rio de Janeiro, Israel Dinis, que combinado com a polícia política de Getúlio Vargas, enterraram Stefan Zweig, cadáver este que um dia terá de ser retirado do armário – inclusive acaba de sair um livro do Deonísio da Silva, um belíssimo romance sustentado a nossa hipótese – e isto implicou numa reação brutal de ódio contra a posição que nós levantamos e eu acredito que boa parte da inteligência contemporânea tem esse papel de provocar, de desafiar, de significar uma negativa a todos os sistemas de opressão e discriminação. Na verdade, a mentira que se fantasia, o fantasmático de uma verdade institucional. O fragmento, de alguma maneira, rompe com essa unidade de conduta , de pensamento, que é a face negrado totalitarismo. Exatamente por isso a poesia sempre tem, ou deve ter um caráter subversivo, revolucionário, como a Psicanálise e o Direito também devem ter. Ainda que algumas vezes nós saibamos de traição e de traição infame, do talento e da inteligência a serviço da perversidade, da crueldade, da uniformização, que é o anti – poético, o oposto do lírico. Quando eu penso no filtro da poesia, basicamente o que me vêm é a ideia da inocência perdida, uma busca de resgate e de recuperação da inocência perdida. Jogar garrafas ao mar, escrever versos, pensar poeticamente é ser e ter a puerilidade, a ingenuidade que a criança tem. Eu escrevi um trabalho sobre o chamado Doutor Maluco, que criou um orfanato em Varsóvia e foi assassinado pelos nazistas. Esse ensaio foi publicado no jornal O Estado de São Paulo e posteriormente em livro e, vai mais ou menos, na vertente que minha formação e na minha obra passa por Czeslaw Milosz e que ao mesmo tempo desemboca  em Guimarães Rosa. Para mim, quando eu saía da minha casa em Juiz de  Fora e ficava percorrendo o campo de futebol do Instituto Grambery, um colégio evangélico onde eu estudei, por ali só existia duas alternativas: ou você concebia o mundo de maneira poética, ou você enlouquecia, porque os horizontes eram estreitos. Não por acaso, de Juiz de Fora partiu os tanques do general Mourão que implantaram a Ditadura Militar, com as suas consequências terríveis no Brasil. Eu acho que pra dar uma ideia dessa fragmentação que ao mesmo tempo tem a ambição do mundo, e por isso do passado da história, mas também tem o significado do futuro, tem duas passagens poéticas que eu gostaria de declamar, se é de declamação que se trata. Um poema chamado América que foi citado n’ A Mágica do Exílio, do professor Henryk Siwierski, editado Magia Wygnania em português/polonês:

Sempre desconfiei que você é a casa que cada um carrega
Nas costas,
Cabeça, sol, som e vento
Como quem carrega o filho querido,
Por entre a tempestade.
É uma tentativa da descrição do peregrino, daquele que permanentemente tem consciência que a sua pátria é o mundo, que a sua terra é o solo que pisa e ao mesmo tempo não tem pátria nenhuma e que não é desse mundo, é um homem no ar. O outro poema se refere a uma momento doloroso da minha vida, da vida de cada de nós e do momento doloroso que cada um de nós tem que imaginar, que é preciso registrar e abandonar, como inutilidade, a inutilidade mais preciosa do mundo:

Lembrar de esquecer
As horas da morte de meu pai.
Não me deixaram testemunhar.
Fui roubado,
Há que esquecer, a cena e a perfídia. Não há como lembrar
Durante muitos anos, no período da velhice e das doenças que acompanharam a velhice do meu pai, eu praticamente passei o tempo todo como guardião da dignidade e da sua presença, tentando corresponder a toda generosidade  que ele dispensou na minha formação. Por uma série de fatores de tragédia familiar, que eu não revelarei jamais, ele me foi roubado. Nos últimos tempos de vida foi sequestrado daminha presença, sequestro feito em nome do amor com a suprema doe que pode ser infligida de alguém que embora estando vivo, está ausente. O indiscreto charme da dor da ausência. E é nesse lusco – fusco entre a presença e ausência, entre a afirmação e a negativa, a expressão clara do discurso lógico e formal do advogado e o pensamento entre filosófico e arredio do poeta, que  eu jogo mais uma vez essa garrafa ao mar. Mas nesta hipótese, neste momento, nessa condição, esse mar está circunscrito a uma praia, e nessa  praia estão vocês, os alunos de Stanford que tem a oportunidade, junto com Marília Librandi Rocha, de participar desta espécie de conspiração universal dos excluídos da terra. Mas que por serem excluídos também são o sal da terra. Ate a próxima vez.

Um comentário:

Anônimo disse...

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