quarta-feira, 21 de maio de 2014

JANGO- A PSICOLOGIA DO HOMEM DA FRONTEIRA.
Jacob Pinheiro Goldberg.

A construção da imagética de João Goulart é sedutora pela radicalidade das hipóteses: estadista revolucionário ou mistagogo populista.
Fazendo observação de uma posição privilegiada, ao coordenar o Comitê General Stoll Nogueira pró-Lott-Jango é da movimentação deste grupo de civis e militares, ligados a esquerda nacionalista- Frente Nacionalista de São Paulo (Casa da Praça da Sé), Campanha de “O Semanário”, de Oswaldo Costa, do “Petróleo é nosso” e outras vertentes, que acompanhei a carreira meteórica de João Goulart evitando anamorfoses, nas sutilezas do seu psiquismo carismático, envolvimentos eleitorais e aquém e além, a figura do típico SER-DA-FRONTEIRA, o gaúcho capitaneando uma saga irrepetível.
No lusco-fusco da cidade e do campo todas as vezes que cruzei com Jango, e muitas vezes, ouvindo as ladainhas e murmúrios do coral que reverbera sua biografia, o movimento oscilante de seu corpo que aos inimigos irrita e aos admiradores hipnotiza, é um destino olímpico que se visualiza. O balanço das pernas no andar, cicatriz do romance-de-formação em que as entidades paternas são a biológica e a de Getúlio.
Lendo “1964 - golpe midiático-civil-militar” e “Jango –a vida e a morte no exílio” de Juremir Machado da Silva, impactado pelas associações e denúncias tremendas que o Autor formula, tive a sensação de uma catarse que, finalmente, ilumina a trajetória deste Jango visionário que, de alguma sorte, escreveu com seu próprio destino e alma – ethos-pathos a epifania brasileira de uma utopia humanística, arrasada pela demência perversa de Mourão Filho que na paranoia (Plano Cohen e Plano Condor), mutilaram nosso povo, torturaram nossa gente, aleijaram gerações.  Jango foi golpeado duas vezes: arreado do poder pelas tropas fascistoides e atingido (ex-timo) no seu íntimo pela cruel farsa de sua desqualificação psíquica, desenhada pela imprensa de aluguel. 
Numa escalada cinematográfica, a partir da morte de Getulio Vargas, já anunciada e consumada pela catilinária cínica de Carlos Lacerda, o sujeito da fronteira vai emergindo nun bailado sinuoso, mas determinado. E, seguindo os depoimentos publicados no inventario da execração Jango é vitimado pela SIGMA, a entidade terrorista que carregava no seu nome sinistro a raiz integralista.
Esta característica que singulariza suas passagens emocionais, que enraivece as gangues oligárquicas brasileiras, sustentadas pelo dispositivo norte-americano histérico diante da potencia latino-americana que se pretende libertar.
Somente um “Chevalier sans peur et sans reproche”, Quixote ingênuo e matreiro, alimentado na cultura dos pampas, vocação messiânica e arroubos sofisticados, poderia encarnar, alma permeada de todos os contrastes e confrontos, que projetavam em si mesmo, a dialética de um povo sedento de progresso e liberdade, enganado e iludido pela quadrilha de manipulação da opinião publica,  com a intenção de sabotar e desconstruir simultaneamente, o homem-mito Jango e a perspectiva de esquerda democrática e nacionalista, em nome da violência brutal de uma banca empresarial insensível que dominava o sistema de informação do país, e , aliás continua mascarada em seu domínio.
Em dezenas de episódios, por exemplo:
A composição da chapa Jan-Jan (Janio me confidenciou em caminhada, no Guarujá a admiração pela competência intelectual de Jango-ver” O Trevo e a Vassoura”, de Gabriel Kwak. Clodesmidt Riani, o maior líder sindical que o Brasil assistiu, na pureza integral, emoção pura em Juiz de Fora quanto a circunstância sacrificial de Jango, o próprio Lott, respeitante  (“Um soldado absoluto”, Wagner William) do paisano patriota; Brizola, no café-da-manhã no Hotel Macksoud no dia do enterro de Ayrton Senna, uma lembrança psico-dramática de Jango, personagem á Glauber Rocha. Individuo cravado no chão, com as virtudes e defeitos do homem brasileiro interiorizando , a percepção superlativa de integridade social mas abismal ingenuidade adolescente, vulnerável ás traições, deslealdades e , por isso, oscilando entre a melancólica depressão e arroubo encantado.
E, no confronto, a canalha que insinua adultério de sua esposa para desvirilizar o garanhão, a sublimação diante da sua coragem de evitar um massacre fratricida desejado pelos bandidos, nas redações e nos quartéis.
Em síntese de uma ópera que um dia será escrita, por inteiro, nas palavras de Goethe- Janfo, “humano, demasiadamente humano”. Brecht escreveu lamentando os povos que precisam de heróis. Nesta dimensão dos afetos conheci Jango anti-herói em contraste com a estatuária grotesca dos generais da ditadura. Republicano, democrata, sorvendo o chimarrão, sem espada na mão.
E, por isto, exatamente por isto, odiado pela malta medíocre e maniqueísta que concebe a história como narrativa mentirosa para embalar mentes infantis e a morbidez da neurose social, pautando uma “inteligentzía” prostituída.

Jacob Pinheiro Goldberg é psicólogo, doutor em psicologia, advogado e assistente social. Autor de “O Direito no divã” 4º lugar na categoria premio Jabuti, 2.012). Professor convidado da Universidade de Stanford (EUA).

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