sexta-feira, 17 de abril de 2009

ESTADO DE MINAS

PENSAR -

Sábado, 04 de abril de 2009

A poesia como fonte de vida

A solidão e o estranhamento, tanto existencial quanto geográfico, permeiam a poética de Jacob Pinheiro Goldberg. Ora um choque cultural intenso, ora um ímpeto de comunicação e diálogo. “Espécie de errância interior, trajetória de vida contada e recontada em muitos poemas e textos, a poesia de Jacob Pinheiro Goldberg pode ser descrita como a de uma vida singular tornada estranhos poemas ou poemas-vida.” Assim, Marília Librandi Rocha abre alas para a compreensão de uma obra inquietante. E ao partir desta vertente, para organizar a antologia Poemas-Vida (Editora 7Letras), Marília Librandi Rocha articulou um livro que revela a força poética de um escritor desterritorializado.

Nascido em Juiz de Fora e radicado em São Paulo há mais de 50 anos, o poeta e psicanalista faz da escrita e da poesia a busca de uma expressão de vida. Em constante processo de criação, a fronteira é a pátria de Jacob Pinheiro Goldberg, a esquina, sua peregrinação. Admirador confesso da obra de outro poeta mineiro, Murilo Mendes (1901-1975), como um outsider, Goldberg tem instigado o debate de ideias, a reflexão e, com isso, provocado muita polêmica. O “psicólogo da poética”, nas palavras de Sandra Magalhães, investe na construção poética como um desafio de revirar o passado e apontar para o futuro.

Poemas-Vida deriva de um estudo realizado sobre a obra de Jacob Pinheiro Goldberg, defendido em 2003, como tese de doutorado de Marília Librandi Rocha na Universidade de São Paulo (USP). Marília Librandi partiu da leitura de cerca de 1,2 mil textos publicados nos livros de Goldberg (compreendendo por “textos” uma produção escrita que inclui desde poemas longos, crônicas, artigos, até escritos de uma só frase ou poemas de um só verso), chegando a uma seleção que, segundo seu ponto de vista como organizadora, corresponde a algumas das principais preocupações e tendências da escrita de Goldberg. Os textos foram reunidos em sete tópicos: “Parábola e ponto de fuga”, “O nem insólito”, “Sombra da sombra”, “A carne da memória”, “Bio(necro)grafia”, “Errância” e “Melitzá. Fragmentos poéticos”.

Desde então, Goldberg assumiu os próprios textos, antes guardados em gavetas ou publicados em pequenas edições de autor, e teve sua produção escrita reconhecida por um número significativo de leitores, entre os quais Henryk Siewierski, que traduziu 18 de seus poemas para o polonês. O poeta também publicou, em 2005, o livro Rua Halfeld, Ostroviec, no qual mergulha na esquina imaginária entre a rua mais importante de Juiz de Fora e a cidade natal de seus pais na Polônia.

Vento do mundo

Na opinião de João Adolfo Hansen, professor titular de literatura brasileira na USP, a matéria da poesia de Jacob Goldberg é essa desabitação, essa despossessão, esse estar não estando de quem medita as perdas levado pelo vento do mundo. “Na sombra, à esquerda da linguagem, Goldberg escreve poesia com o sangue da experiência do real. É poesia elegíaca e trágica, uma lamentação que contraefetua o acontecimento da dor, elaborando o sofrimento para resistir à destruição e à amargura do mal.”

Jacob sabe que nascer judeu ou palestino, índio ou espanhol é só acidente, pois o que realmente importa é o que fazemos com o que fizeram de nós, afirma Hansen. E explica: “Kafka, por exemplo, quis escrever como um vira-lata para apagar as marcas da lei gravadas na pele. Jacob é dessa família de desgarrados magníficos que dizem non serviam, ‘não servirei’. Inconformado com a vida, revoltado com a morte, escreve sua poesia na fronteira do Paraguai com a Finlândia, aquele não-lugar onde as etnias, as nacionalidades, as religiões, as classes e os sexos finalmente foram abolidos e só sobrou a liberdade da descrença radical dos valores herdados”.

A antologia Poemas-Vida é uma síntese da reflexão poética de Jacob Pinheiro Goldberg ao longo do tempo, em meio à perplexidade, ao desafio, ao caos e à superação. É um compromisso de vida e um compromisso com a escrita. Enfim, é uma outra forma de respirar.

Jorge Sanglard é jornalista e pesquisador.

POEMAS-VIDA
De Jacob Pinheiro Goldberg
Editora 7 Letras, 120 páginas, R$ 29

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